terça-feira, 9 de junho de 2015

Médico na Antártida operou a si mesmo de apendicite

Temendo que seu apêndice estourasse antes de poder sair da Antártida, um médico russo fez sua própria operação. Desde então, expedicionários de todo o mundo devem retirar o apêndice antes de ir para o continente.

Durante uma expedição à Antártida na década de 1960, o médico russo Leonid Rogozov ficou gravemente doente. Rogozov precisava ser operado e, como único médico da equipe, sabia que somente ele próprio poderia fazer a cirurgia.
O inverno polar se avizinhava quando o expedicionário de 27 anos começou a perceber os primeiros sintomas. Cansaço, fraqueza e náusea. Mais tarde, uma dor forte no lado direito de seu abdômen.
“Como cirurgião, ele não teve dificuldade em diagnosticar apendicite aguda”, disse o filho de Rogozov, Vladislav, em entrevista à BBC. “Ele havia feito esse tipo de cirurgia muitas vezes, no mundo civilizado era uma operação de rotina”.
No entanto, naquele momento, o médico estava muito longe do mundo civilizado. Rogozov integrava a sexta expedição soviética à Antártida, uma equipe de 12 homens cuja missão era construir uma base no Oásis Schirmacher. A Estação Novolazarevskaya já estava funcionando. Em meados de fevereiro de 1961, tendo completado o trabalho, o grupo se instalou para enfrentar o tenebroso inverno.
No final de abril, Rogozov se viu em perigo e sem poder contar com ajuda de fora. A viagem da Rússia para a Antártida levara 36 dias por mar, e o navio só retornaria em um ano. Voar era impossível por causa da neve e das tempestades.
“Ele podia esperar por ajuda que não viria ou operar a si mesmo”, disse Vladislav. Não era uma escolha fácil. Rogozov sabia que seu apêndice poderia estourar e, se isso acontecesse, sua morte seria quase certa. Enquanto ele refletia sobre suas opções, os sintomas pioravam.
“Ele teria de abrir seu próprio abdômen para tirar seu intestino para fora”, disse Vladislav. “Ele não sabia se aquilo era humanamente possível.” Além disso, durante a Guerra Fria, Oriente e Ocidente competiam nas corridas nuclear, espacial e polar e o peso dessas disputas caía sobre os ombros de cada indivíduo.
O comandante da base russa teve de pedir permissão a Moscou antes da operação. “Se meu pai morresse, isso geraria publicidade negativa para o programa Antártico soviético”, disse Vladislav.
Rogozov tomou sua decisão. Ele faria a cirurgia em si mesmo, em vez de morrer sem ter feito qualquer coisa. “Não dormi a noite passada. Dói como o diabo! Uma tempestade de neve açoitando a minha alma, uivando como 100 chacais”, o médico escreveu em seu diário.
“Ainda não há sintomas óbvios de uma perfuração iminente, mas um sentimento de maus presságios me oprime… É isso. Tenho de pensar detalhadamente sobre a única saída possível – operar a mim mesmo. É quase impossível, mas não posso apenas dobrar meus braços e desistir.”
Rogozov elaborou um plano minucioso de como a correria a operação e deu a seus colegas papeis e tarefas específicos. Ele nomeou dois assistentes para fazer a instrumentação durante o procedimento, posicionar a lâmpada e segurar um espelho – o médico planajava usar o reflexo para ver o que estava fazendo. O diretor da estação polar também estava na sala, caso um dos outros desmaiasse.
“Ele era tão sistemático que até instruiu os assistentes sobre o que fazer se ele começasse a perder a consciência – como injetá-lo com adrenalina e fazer respiração artificial”, disse Vladislav.
Uma anestesia geral estava fora de questão. Ele poderia fazer uma anestesia local na parede do abdômen mas uma vez que tivesse cortado o abdômen, a remoção do apêndice teria de ser feita sem qualquer analgésico, de forma a manter sua mente tão límpida quanto possível.
“Pobres dos meus assistentes! No último minuto, olhei para eles. Estavam ali em pé, vestindo suas roupas cirúrgicas brancas, mais brancos do que o branco das roupas”, Rogozov escreveu mais tarde. “Eu também estava com medo. Mas quando peguei a agulha com a novocaína e fiz a primeira injeção, de alguma forma entrei no ‘modo cirurgião’ e daquele ponto em diante eu não notei mais nada.”
Rogozov desistiu de usar o espelho porque a imagem invertida o atrapalhava.Optou por usar as mãos – sem luvas – trabalhando a partir do tato. Quando chegou à fase final da cirurgia, quase perdeu a consciência. Começou a ter medo de fracassar no obstáculo final.
“O sangramento é forte, mas vou devagar… Ao abrir o peritônio, feri a víscera e tive de costurá-la”, escreveu. “Estou cada vez mais fraco, minha cabeça começa a girar. A cada quatro ou cinco minutos eu descanso entre 20 e 25 minutos.”
“Finalmente, aqui está o maldito apêndice! Horrorizado, vejo a mancha escura em sua base. Ela indica que, mais um dia, (o apêndice) teria estourado. Meu coração ficou visivelmente mais lento, minhas mãos pareciam borracha. Pensei, isso vai terminar mal – e tudo o que faltava era remover o apêndice.”
Mas Rogozov não fracassou. Após quase duas horas, completou a operação, até o último ponto. Depois, antes de se permitir um descanso, explicou a seus assistentes como lavar os instrumentos cirúrgicos e apenas quando a sala estava limpa e arrumada o médico tomou antibióticos e comprimidos para dormir.
Chance de viver
Foi um feito impressionante. “Ele estava aliviado porque tinha mais uma chance de viver”, disse Vladislav. Duas semanas depois, Rogozov voltou a seus afazeres normais. A extraordinária história de sobrevivência do médico russo ainda não havia terminado. Uma piora excepcional no tempo impediu que o navio que vinha buscar a equipe em 1962 se aproximasse do local. Os russos achavam que teriam de esperar mais um ano.
Como cicurgião, Rogozov temia perder contato com o mundo médico e, no plano pessoal, estava preso no lugar onde tinha vivido a pior experiência de sua vida.
Ele escreveu no seu diário: “Com mais e mais frequência, ondas de saudade e ódio dessa Antártida maldita passam por mim. Que estranho que eu tenha concordado em participar dessa expedição. Todo o exoticismo da Antártida terminou no primeiro mês e em troca dele estou perdendo dois anos de minha vida. Minha clínica, que amo mais do que qualquer outro prazer nesse mundo, parece tão longe daqui quanto Marte”.
Para o alívio dos expedicionários soviéticos, a equipe acabou sendo evacuada por avião – embora um pouco mais tarde do que o esperado. “Eles tiveram de ser evacuados por aviões monomotor”, disse Vladislav. “Dramaticamente, um dos aviões quase caiu no mar.”
Rogozov foi recebido como um herói nacional. Sua incrível história de sobrevivência foi uma arma importante na máquina de propaganda soviética. Apenas 18 dias antes de ele ter feito a cirurgia, seu compatriota russo Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a chegar ao espaço. Surgiram comparações.
“Havia um forte paralelo entre os dois porque ambos tinham a mesma idade, 27, os dois vinham da classe trabalhadora e tinham feito coisas nunca feitas antes na história humana. Eles eram o protótipo do super-herói nacional”, disse Vladislav.
Rogozov recebeu uma medalha por seu grande feito. Sua coragem tornou-se um símbolo para o resto do mundo. “Veja essa geração de jovens que nosso sistema produziu: jovens, bonitos, sorridentes, pessoas bacanas”, disse Vladislav. “Mas ao mesmo tempo, feitas de aço e com determinação de ferro.” Rogozov, no entanto, não quis publicidade. Um dia após retornar à URSS, voltou para seu hospital e retomou sua carreira.
Hoje, apendicectomias (cirurgias para a remoção do apêndice) são compulsórias para expedicionários de várias nacionalidades em missões na Antártida, como os australianos, por exemplo. E alguns médicos sugeriram que astronautas enviados no futuro para formar colônias em Marte ou na Lua também sejam submetidos à cirurgia.
E qual foi o legado de Rogozov? Inspiração, reflete Vladislav. “Se você se deparar com uma situação desesperadora, onde a sorte parece conspirar contra você, mesmo que esteja no ambiente mais hostil, não desista. Lute pela vida”.
BBC Brasil.
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2 comentários:

  1. Um verdadeiro ato de amor a vida. Se fazer essa cirurgia em condições pouco favoráveis em um paciente já é um ato de coragem e determinação, imaginemos agora fazer o mesmo, em seu próprio corpo. Ser ao mesmo tempo agente e paciente do ato praticado. Realmente esse sobrevive à qualquer experiência extrema.

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