sexta-feira, 3 de abril de 2015

Civismo sem cinismo

O desejo de libertação educativa (Paulo Freire), de fim do patrimonialismo (Raymundo Faoro), de uma nova civilização (Darcy Ribeiro) e de um Brasil consciente de sua história (Manoel Bomfim) é quase um devaneio para gente de bem que se vê rodeada de meio-cidadãos omissos. Proponho, neste texto, uma reflexão sobre como é possível ter civismo sem cinismo no Brasil, e revelo minha mudança de postura em relação ao Maquinário tupinica.
Quando folhei as notícias de destaque sobre o Brasil e logo sobre meu estado de origem (São Paulo), fiquei preocupado com várias e estarrecido com uma. Esta informou que, em cidades do norte do estado de São Paulo (Batatais, Pedregulho e outras) e na região de Ribeirão Preto, bandidos fortemente armados com metralhadoras amedrontaram policiais, tomaram conta dessas cidades sem usar capuz, e explodiram caixas eletrônicos.
Tenho lido notícias como essa sobre cidades brasileiras. Entretanto, no nível federal, não é muito diferente: desvio de dinheiro na Petrobras, superfaturamento de obras, política como atividade de carreira e vitalícia para muitos, políticos viajando com dinheiro na cueca. Deixamos de ser o império do pau-brasil e do ouro. Somos agora o império do crime e do ouro negro.
Brasileiros que ocupam postos da cúpula do poder limpam suas bundas com dólares e esfregam as notas na cara do povo brasileiro, suado e humilhado.
Agora estou certo de que o Maquinário tupinica é inimigo do povo brasileiro e de que seus burocratas e políticos não querem mais do que gozar de um cargo. Não sabem o que significa cidadania, ou talvez nem queiram saber.
Policiais não “dão a cara pra bater” na hora do “vamo vê”, gestores públicos dançam conforme a música, burocratas não veem a hora de acabar seus expedientes para comemorar no “happy hour” a estabilidade de suas carreiras (o fato de que ganham cinco, dez, quinze mil reais, enquanto a maioria...). Nesse ínterim, falta gente treinada para a cidadania no Brasil, para exercer deveres em vez de cobrar que o Maquinário tupinica lhes proveja tudo.
Infelizmente, neste cenário de proliferação desordeira e frenética de meia-cidadania, eu estava equivocado. Numa idade um pouco mais jovem, eu acreditava na função do Maquinário tupinica de restaurar a ordem, garantir o desenvolvimento, e orientar o Brasil numa direção mais igualitária e justa.
O Maquinário tupinica é, em realidade, uma ferramenta exploradora, retardadora e opressiva do povo brasileiro. Tal Maquinário realiza o interesse egoísta e próprio de um grupo de privilegiados, da estabilidade forçada e artificial de carreiras de funcionários públicos (em comparação com o mercado de empregos), de propinas e de “quem indica”, e de favorecimento a empresas de porte grande que financiam campanhas políticas (e.g. as críticas da senadora Kátia Abreu às atuações da Friboi são procedentes).
O Maquinário tupinica transformou-se num instrumento público de interesse privado. Este giro confunde a cabeça de justiceiros sociais. Estou pensando agora numa revolução na forma de administrar o país que favoreça o empreendedorismo (instrumento privado) em prol do interesse público.
Bem, a primeira crítica que se ouve é que a iniciativa privada é uma ação quase sempre individualista que busca o lucro e, portanto, satisfaz uma lógica diferente da do Maquinário. Este, teoricamente, é o ente que deveria buscar o bem comum e garantir que os direitos e deveres constitucionais se cumpram. Contudo, devido a problemas graves de civismo (cultura política corrupta, educação insuficiente, etc.), essa relação se inverte no Brasil.
A iniciativa livre e privada tem sido responsável pela modernização (e.g. empresas diversas de telecomunicações competindo entre si e garantindo que a Internet em banda larga não fique tão atrás de outros países, variedade de opções no mercado em vez de dirigismo estatal), e pela emergência de ideias novas (“start ups”), desde que o Maquinário não imponha obstáculos e taxas para sustentar sua grande família de burocratas gozadores de cargos.
O civismo que proponho brotará de um Brasil livre, novo, construtivo, competitivo, educado e progressista. Este ultrapassará de longe o cinismo, o comodismo, o formalismo e o conservadorismo do Maquinário tupinica.

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