quinta-feira, 5 de março de 2015

Brasil, o tempo e o vento

Sob a incontestável tempestade que abala a nação brasileira, alguns consensos podem ser expressos: (a) a presidente conduz o governo sob critérios que dizia serem cruéis e próprios de seus adversários de campanha; (b) há grande crise de confiabilidade em relação a empresas como a Petrobras e à administração direta e indireta; (c) o PT perdeu forças, enfrenta sérios conflitos internos e suas relações com o PMDB estão estremecidas; d) o déficit público é uma cruel verdade, exige uma política de austeridade entregue ao ministro da Fazenda e que será fonte de conflitos nas ruas, tal como ocorreu em vários países submetidos necessariamente à contenção de despesas públicas e aumentos tributários; e) o ex-presidente Lula convoca temerariamente o povo às ruas, como se fosse solução.
Além disso, as soluções indutoras de um salto de qualidade e a saída consequente do Brasil da crise se encontram encerradas numa zona cinzenta. O governo, sem credibilidade, não encontra quadros para auxiliá-lo. A simples nomeação de um ministro do STF se tornou um problema, não porque a presidente, obviamente, não procurou fazer a indicação, mas porque não há nomes que queiram suportar tão ingrata tarefa e os vinculados à administração não reúnem os requisitos jurídicos e políticos necessários. E fidelidade canina numa Corte Suprema é insólita.
Daí mais uma certeza inabalável, ao lado de outros fatos corriqueiramente registrados no âmbito dos três Poderes: vivemos uma das mais sérias crises institucionais de toda nossa história.
Em tais circunstâncias, todos os brasileiros que têm consciência da necessidade de urgentes e profundas mudanças, propostas por ambas as correntes que disputaram as eleições presidenciais, a situacionista sem crédito porque gerou o débito, ficam no dilema: tais mudanças podem acontecer sem uma extrema mudança política, dentro da qual se insere um instituto constitucional que se tornou palavra feia: “impeachment”? Ou é possível uma pactuação política solucionadora?
Os defensores de nenhuma mudança constitucional e da apregoada normalidade e segurança jurídica pregam respeito inabalável à duração do mandato da presidente Dilma; e nada que infirme os direitos políticos adquiridos por quaisquer atores pode ser cogitado de mudança. Isso significa que, antes de praticamente quatro anos, não podemos iniciar qualquer reforma de nossa casa que importe em abalo desses pilares.
Por lógica elementar, se o outro meio de promover a “solucionática” se frustrar, se o governo não conseguir liderar entendimentos e promover a saída do Brasil do lodo onde se encontra chafurdado, em menos de quatro anos não teremos outro destino senão o da amargura, do pífio crescimento industrial, do desemprego, da ofensa à capacidade contributiva, do retrocesso dos direitos trabalhistas e de um mundo político consequentemente conturbado.
O homem é o senhor do tempo. Mais exatamente, da cronologia que ele criou, dado que o tempo é algo móvel, fluido e abstrato, cujos instantes delineamos numa linha imaginária para permitir a organização de nosso pensamento numa realidade essencialmente movente. O homem é o senhor das instituições jurídicas e políticas.
Os modelos políticos e constitucionais do passado são altamente relevantes para compreendermos o giro da roda da condução da coisa pública, mas não são obrigatoriamente imutáveis. Cientistas do direito, assim como de outros ramos do saber, debruçam-se diariamente nas nações civilizadas para encontrar meios ordenatórios (jurídicos), que permitam ao homem e ao mundo um destino melhor. Afinal, inobstante a sapiência dos institutos jurídicos nacionais e internacionais construídos no passado, tal como a democracia, como a conhecemos, e istemas elaborados, como o da divisão e harmonia dos poderes estatais, não evitaram que o século 20 fosse o século das mais cruéis agruras suportadas pela humanidade. De tudo quando resultou das experiências passadas, não há como negar a excelência do regime das liberdades públicas e da contenção dos poderes, porém, a partir daí, muito pode ser construído para inserir o equilíbrio político universal e a realidade de cada país num plano valorativo da dignidade e do bem estar de todas as pessoas humanas.
Daí porque, se patenteado que este governo está despojado das mínimas condições para dar um rumo ao Brasil, não há necessidade de aguardarmos placidamente, por quatro anos, o sentimento das dores que poderíamos começar a superar num período mais curto. O tempo não pode ser um dogma, assim como não pode ser dogma a Constituição e até mesmo suas cláusulas pétreas. Tudo está aí para ser debatido. Tome-se o voto secreto, direto e universal, uma das referidas cláusulas. Provavelmente, não está na consciência da maioria do povo, dono do poder, alterá-la. Nada, porém, é defeso à inteligência humana. E muitas outras, como a própria Federação, ou arremedo de Federação, que temos no Brasil, podem voltar a ser discutidas. O tempo de mandato idem, principalmente se for para o bem coletivo, o que não representaria nenhum problema num governo de gabinete.
O requisito básico a essa mudança civilizada, contudo, seria a compreensão do partido da Ordem, do PT, que deveria abdicar de seu projeto de poder e demonstrar minimamente algum senso de patriotismo. Aí é que entra o impossível que curialmente impede a solução dos principais problemas humanos. Seria a renúncia a pretensos direitos públicos adquiridos, sabemos que por meio do uso da máquina pública e da cumplicidade com grandes empresas, mas que, como tais, não são admitidos pelos atuais donos do poder.
A incitação do povo às ruas para o conflito entre facções é o mais atrasado dos métodos políticos, ao qual Lula recorreu. As consequências são imprevisíveis. Porém, a história, não raro, nos dá lições preciosas, como retratou por arte refinada um de seus maiores intérpretes, Shakespeare, ao expressar um vidente a Júlio César o clássico “tome cuidado com os idos de março”. Os idos, na romana antiga, correspondiam ao dia 15.
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