sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Entenda: direita e esquerda

Um dos mais surrados lugares comuns do debate político é o de que a distinção entre esquerda e direita já não tem mais cabimento no mundo contemporâneo. Será mesmo? Observando-se o atual cenário político brasileiro é possível aferir tal questão, vislumbrando até que ponto este lugar comum – como tantos outros – não passa de preconceito ou, quem sabe, descreva bem a realidade.
Para que tal observação seja possível e faça sentido, faz-se necessário, primeiro, fixar um critério do que se entende como direita e esquerda. Afinal, no debate de senso comum sobre a política não há um entendimento consensual sobre isto. Uma definição minimalista, mas que me parece útil para dar conta de situações muito variadas, é de que enquanto a esquerda propugna pela igualdade, a direita propugna pela desigualdade – e daí é possível extrair uma série de derivações.
Voltando às origens da distinção, na Assembleia Nacional Francesa durante o período revolucionário, os que se sentavam à direita de seu presidente eram os apoiadores do antigo regime e das desigualdades que lhe caracterizavam, alicerçadas nas distinções estamentais que conferiam privilégios aos ocupantes dos estratos sociais superiores. À sua esquerda sentavam-se os que defendiam o fim do antigo regime e, com ele, das distinções estamentais que engendravam desigualdades.
Desse modo, não só foi estabelecida ali a terminologia, como também a associação entre os dois termos e as preferências em relação à dicotomia igualdade/desigualdade. A direita se compunha dos conservadores, defensores da manutenção da velha ordem; a esquerda era integrada pelos liberais, que advogavam pela mudança simbolizada pelo lema “liberdade, igualdade, fraternidade”.
Com o advento da industrialização, do movimento operário e do socialismo, o espaço da esquerda passou a ser ocupado por este último, deslocando para a direita (talvez para o centro) o liberalismo. O socialismo postou-se à esquerda do liberalismo por defender mais igualdade do que ele, agregando à equivalência de honra social (possibilitada pela superação da sociedade estamental) a demanda por igualdade econômica.
Ao longo do século XX, nos países em que se estabeleceu a política competitiva inaugurada pelo liberalismo, agregando-se a ela o sufrágio universal sem distinções censitárias (primeiramente de renda e propriedade, depois de gênero), emergiram as democracias representativas. Nelas, a disputa entre esquerda e direita tornou-se o principal balizador das contendas políticas, tanto nos órgãos representativos, quanto nas eleições. E como as organizações cruciais de tais disputas eram os partidos políticos, os sistemas partidários passaram a se organizar ao longo da dimensão esquerda-direita. Tal estruturação dos sistemas partidários facilitava muito a vida dos eleitores, já que lhes fornecia atalhos cognitivos para que fizessem escolhas baseadas em suas preferências de valores com respeito à questão da maior ou menor igualdade e das políticas adequadas para lidar com ela.
Todavia, a política democrática pregou uma peça naqueles que tomavam a dimensão esquerda-direita de forma estática e simplista. A preocupação dos eleitores com soluções práticas para seus problemas cotidianos, para além de considerações abstratas em relação aos valores últimos, fez com que a maioria dos cidadãos não se posicionassem de forma categórica num dos dois polos da dicotomia. Assim, embora muitos desejassem mais igualdade econômica, não entendiam que a forma de alcançá-la fosse pela socialização dos meios de produção; embora muitos se mantivessem apegados à hierarquia social estabelecida, não acreditavam que essa devesse ser completamente imutável. Noutros termos, a maior parte dos cidadãos não era puramente de direita, nem de esquerda.
E como para vencer as eleições é preciso agradar ao maior número de eleitores possível, os partidos com anseios mais amplos passaram a moderar suas posições, de modo a arrebanhar um número cada vez maior de votos junto àqueles que não compartilhavam inteiramente de suas posições à esquerda ou à direita.
Tal movimento dos partidos mais dispostos a se tornarem majoritários fez com que tanto a direita como a esquerda se moderassem, assumindo mundo afora uma feição cada vez mais mediana – de centro-direita, ou centro-esquerda. O caminho rumo à moderação não implica uma abdicação completa do posicionamento à direita, ou à esquerda, mas uma relativização dele. Nos sistemas bipartidários (como os EUA, ou a Inglaterra) é a própria dinâmica eleitoral que leva os partidos a posições de maior moderação em relação àquilo que é a sua forma de polarização, de modo que o comportamento parlamentar e governativo irá apenas refletir um processo que já ganhou corpo na disputa eleitoral.
Nos sistemas multipartidários (como o nosso) a dinâmica eleitoral ainda possibilita um posicionamento ideológico mais claro, ao menos nas eleições proporcionais – como aquelas para o Legislativo. Contudo, tanto as eleições majoritárias (como as para a Presidência) quanto a formação de coalizões (de governo ou eleitorais) levam os partidos a uma moderação de suas posições originais. Afinal, é bem provável que eles tenham de se aliar a agremiações de orientação ideológica diferente da sua e a convivência será impossível se uns e outros não fizerem concessões aos parceiros – inclusive as de caráter ideológico.
No Brasil, tal dinâmica é responsável por assemelhar de maneira significativa os principais contendores partidários – principalmente no âmbito nacional. Isso não significa que não haja diferenças relevantes (de política econômica, política externa, políticas sociais, etc.), mas tal relevância está longe de corresponder a uma polarização radical – razão pela qual os principais contendores habitualmente têm rotativamente os mesmos aliados em suas coalizões. No Brasil, a radicalização ideológica não está no sistema partidário, mas na opinião pública – com os blogs sujos de um lado e os liberais intolerantes do outro.


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