sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Ganhos da democracia

"Quem não sabe o que procura não percebe quando encontra" (frase atribuída a Augusto Comte)

A humanidade levou milênios até conquistar um "direito acusatório" - em oposição ao "direito inquisitório". No entanto, porque convivemos com ele desde que nascemos, tratamo-lo como banal e até mesmo com desprezo. Que diferença há entre um e outro?

Romances históricos, filmes e historiadores retratam o que se vulgarizou como "inquisição" (Idade Média). Grosso modo, bastava uma pessoa ser acusada de bruxaria para ser condenada à morte. O poder, concentrado nas mãos do clero, encarregava-se de apresentar provas, acusar, julgar, condenar, e, num requinte de elegância, delegava a execução ao estado. Jamais se saberá quantos inocentes foram supliciados nesse regime, quantas condenações sem prova, quantas mulheres (mais que homens) punidas em sua sensibilidade. Era o direito inquisitório, sem discussão, sem defesa.

Mas, mediante muito sofrimento, a humanidade conquistou uma nova ordem jurídica: direito de defesa, estado-juiz, decisões impessoais. É o chamado direito acusatório, em que órgãos diferentes cumprem funções distintas. Na área penal (mais fácil visualizar), a polícia produz provas, o Ministério Público (acolhendo-as) acusa, o advogado defende e o Judiciário julga. 

Tal divisão de funções favorece a imparcialidade e garante ao acusado o direito ao contraditório e à ampla defesa. O estado, através do Judiciário, é o terceiro imparcial que decide - uma inestimável conquista da democracia.

Contudo, ora por ignorância, ora por má-fé, a cada tanto aparecem ideologias que pretendem extingui-lo. Muito grave: emolido o direito acusatório, restará o inquisitório, Como na Idade Média, como nos regimes totalitários e nas teocracias islâmicas (sem liberdade).

Pequeno exercício de imaginação ajuda a compreendê-lo. Eis uma hipótese: um inocente sendo acusado para proteger o verdadeiro autor de um delito. O Ministério Público acusa. O advogado oferece a defesa técnica, derrubando provas falsas, apontando contradições da acusação, mostrando inexistirem elementos para condenar. E o Judiciário, terceiro imparcial, é a garantia democrática, afastando vícios e julgando conforme as evidências do processo.

Será um sistema perfeito? Não, porque os homens são imperfeitos.

Aliás, existe estreita relação entre a qualidade do direito praticado e o padrão ético da sociedade. Todos os órgãos envolvidos podem ter vícios. A questão é: como suprimir vícios e aprimorar o direito? O mais pessimista, se honesto, admitirá que temos ao menos o esboço de um bom sistema jurídico e pensará em preservá-lo.

O mais sensato compreenderá o valor intransferível de democratizar as instituições, melhorando o sistema jurídico pela afirmação dos valores da democracia - a começar pela transparência e pela intransigente observância de nosso ordenamento jurídico.



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