segunda-feira, 14 de abril de 2014

E onde fica o estuprador?



O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA divulgou o resultado de pesquisa que enseja conclusões preocupantes, uma vez que revelariam a face bruta do estado cultural e emocional de parte da sociedade. 
Segundo a pesquisa, quase dois terços dos entrevistados consideram merecedoras de violência sexual as mulheres usuárias de “roupas que mostram o corpo”. Número pouco menor de entrevistados atribui o estupro a certos comportamentos das mulheres. 

Pode-se discutir a metodologia da pesquisa e até mesmo atacar o seu potencial indutivo, já que aos entrevistados eram apresentadas proposições com as quais deviam concordar, ou não. Contudo, feitas as correções, resta a percepção de que expressiva parte de nossa sociedade se guia por conceitos nefandos sobre a natureza da sexualidade e da liberdade femininas. 

Basta vermos as manifestações de concordância que infestaram as redes sociais horas após a instalação do debate na internet, bem como a tentativa de desqualificação da pesquisa. 

Não sei se o IPEA informou aos entrevistados sobre a natureza criminosa dos atos para os quais olhavam com complacência quando dirigidos às mulheres cuja conduta e vestuário censuravam. Sabe-se da obviedade do caráter criminoso da violência sexual em suas variadas formas, mas seria igualmente didático advertir os entrevistados de que sua concordância com a violência implicaria na aceitação de um crime.

Tivesse havido esta advertência ficaríamos mais seguros para desenvolver o argumento de que admitimos descumprir a lei quando ela e seus pressupostos morais nos parecem superáveis. 


Deve-se perguntar: a partir do resultado, poderíamos afirmar que, embora saibam da ilegalidade criminosa do estupro, 65% dos entrevistados admitem-na como forma de punir a mulher que abusa de sua liberdade e da liberdade de nossos costumes? – Isto não me parece claro. Talvez as respostas revelem o reconhecimento da possibilidade, mas não, necessariamente, a admissibilidade. De todo modo, embora se vislumbre um laivo de manipulação metodológica, a pesquisa suscita o bom debate. 
 
Por essa interpretação da pesquisa seria possível afirmar que qualquer de nós, se não submetidos aos limites éticos do processo civilizatório (que se dá por ritos educacionais), admitiria a hipótese da violência como forma de punir a mulher pelo simples fato de ela exercer sua autonomia e usar o seu corpo como lhe parecer conveniente. 

Estaria em nossa natureza, então, o germe da barbárie e da aniquilação do outro, a quem se nega qualquer liberdade – inclusive sobre o próprio corpo - se esta não se alinhar aos nossos desígnios. 


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Um comentário:

  1. O estupro é um ato de violência. As pessoas formadoras de opinião que expressam a opinião de ser culpa da mulher o fato de ser estuprada está contribuindo para que mais e mais mulheres sofram este tipo de violência.

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