quinta-feira, 9 de maio de 2013

Do Capitão América ao Bin Laden


Os Estados Unidos - e para benefício de sua inexplícita política cultural - têm obsessão histórica pela criação de heróis e outros personagens ufanistas. Não é à toa que o culto à personalidade neste país reproduz-se no êxito mundial de seus atores e sua indústria cinematográfica. Dois destes heróis chamam atenção: Capitão América, que combate em nome do Bem, e Bin Laden, que aterroriza em nome do Mal. O mais curioso nesta relação maniqueísta é que os paradigmas divinos e infernais, que se contrastam no plano das ideias, assumem dimensões planetárias.
Num destes dias de rotina cronometrada (já, portanto, habituado ao relógio inglês), entrei na estação de metrô de Euston em Londres e uma mulher me pediu informação de itinerário. Depois que a encaminhei na direção certa, perguntei de onde era e me respondeu: "Da América". Retruquei-lhe: "Eu também. Do Brasil." Pasmou. Olhou-me então com estranhamento, como se o breve diálogo não estivesse bem ajustado. Provavelmente achou que eu fosse responder Chicago, Los Angeles, Dallas, Houston, Kentucky Fry Chicken ou Starbucks Coffee. Mas a América é um continente com trinta e cinco países em vez de outra referência ao Tio Sam.
O cenário de (des)informação que muitos desenham mentalmente e com convicção tem a ver com a facilidade como se justifica a gestão mundial - que inexiste nos termos das relações internacionais - como se fosse um jogo eletrônico. Ademais, só há ganhadores e perdedores nos polos competitivos dos Estados Unidos; os intermediários relegam-se à invisibilidade.
Desta forma, os Estados Unidos mantêm presença militar no Oriente Médio a contragosto dos povos desta região, que pouco podem fazer diante dos tanques que liquidam civis e das câmeras que selecionam imagens autorizadas para divulgação, e não hesitam em protestar e queimar a bandeira EUAna; os Estados Unidos são o maior portador de armas nucleares no planeta, mas não aceitam que Coreia do Norte e Irã também as fabriquem para dissuadir outros Estados de uma possível invasão; e o atentado na maratona de Boston em abril de 2013 já rendeu um suspeito identificado como "muçulmano" em vez de procedente de tal ou qual país. Outra vez e desnecessariamente o fator religioso impera sobre outros aspectos que identificam uma pessoa.
Por um lado, Capitão América foi criado em 1941 nos Estados Unidos durante o período da Segunda Guerra "Mundial". É um dos heróis típicos que colorem os desenhos animados e os gibis EUAnos. Por outro lado, conta-se que Osama Bin Laden nasceu na Arábia Saudita, de família rica e influente no âmbito petroleiro. Dizem os relatos que Bin Laden só conheceu a Al Qaeda - organização considerada pelos Estados Unidos autora dos atentados de 11 de setembro de 2001 - quando se interessou no Islamismo; então passou a financiar guerrilheiros afegãos.
Quiçá Capitão América seja mais real que Bin Laden no plano das fantasias que sustentam a vida diária da média dos cidadãos. Sendo assim, está em dúvida se Bin Laden realmente existiu; em caso afirmativo, se realmente o mataram em maio de 2011; na hipótese de que o tenham exterminado perto da capital paquistanesa como afirmam as agências de notícias que fizeram a reportagem, não se sabe quem será o próximo adversário que justificará o revide ao terrorismo com atrocidades piores que as cometidas pela adversidade que se faz questão de combater.
Não se sabe ao certo se foi realmente Osama Bin Laden e os planos de sua organização Al Qaeda ("A Base") que derrubaram as duas torres do World Trade Center em Nova York e lançaram um avião contra um prédio do Pentágono. No entanto, a política exterior EUAna conquistou seus objetivos estratégicos no território anteriormente controlado pelo personagem mundial Bin Laden apesar das milhares de perdas humanas. A suposta relação do Afeganistão com o terrorismo rendeu benefícios aos Estados Unidos na justificativa de sua invasão àquele país após o 11 de setembro de 2001. Era o Bem contra o Mal, Capitão América contra Bin Laden.
Entre um personagem e outro, fica o sabor do cinismo de um país e da apatia da meia-cidadania.
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