domingo, 13 de janeiro de 2013

Conjugando o verbo ferir...


Entender tudo, mas ilimitadamente tudo, fere


Já o disse alguém que a vida é um jogo. Um jogo perigoso. Un jeu dangereux,como lembra o poeta, contista, romancista, teatrólogo, historiador e filósofo François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, em Cartas filosóficas, obra escrita em 1734. E, no jogo perigoso da vida, és tu quem feres ou é o outro que quer ou se percebe ferido? Ou ambos?

Entender tudo, mas ilimitadamente tudo, fere. Sabias? Respeito e resmoneio em demasia também. Desacato e desforra idem. Sujeição e dependência muito mais. Então, pergunto, o que fazer? Pessoas - independentemente de sua vontade! - são jogadas ao mundo das coisas para ferir. Outras para serem feridas. Quem nasce para ser ferido, ferir-se-á até quando o entendimento do outro for tão imenso que, por respeito supérfluo, nada faça e acabe ferindo. Dá para compreender?

Se tu não exacerbas impossibilidades, por ternura e respeito humanos, cuidado, podes estar ferido. Mas se tu te intrometes pelas impossibilidades, não feres agora, hoje, mas por certo ferirás depois, amanhã.

Teus longos silêncios compreensivos, tuas cismas sinuosas, teus mutismos interrogantes, teus ensimesmamentos naturais renega-os ao abandono. Ferem muito. Já as palavras - ah, epigramáticas palavras! - ferem por demais. Elas agridem. São tirânicas. Sórdidas. Torpes. Cruéis. São lâminas aceradas que machucam, amargam e laceram o coração.

Quem não faz fere muito. Quem faz tem que ferir, senão não faz. Quem fica no vai não vai, no és não és, na insegurança do fazer, na insensatez do egoísmo também fere. Os lestos e rapidinhos? Sem ferir não existem. Os hesitantes e pachorrentos? Ferem demasiado pela sua incapacidade de agir.

O que em ti sobra, fere a quem nele isso falta. Fere sem querer ferir. Ferimento sem querer dói muito mais. Não é que tira, propriamente. O tempo, ora o tempo é passivo: faz se ferir.

Sorriso? Cuidado, irmão! Teu sorriso pode ferir. Alegria? Não abuses dela. A legião dos feridos pela ledice e o luzeiro dos iluminados por ilusivas esperanças certamente um dia voltar-se-ão contra ti.

Se és um homem prudente e cordato modera tua compreensão dos outros. A compreensão de hoje é cobrada em dobro no dia de amanhã. E três vezes mais depois de amanhã. Caso nesse dia não possas - por mais que assim o queiras! - dar ou doar esse triplo, ferirás depois de amanhã a ferida que deixaste de ferir hoje. Só fizeste 90% por alguém? Creia-me! Os restantes 10% que faltam ferirão...

E as renúncias? Como ferem as renúncias, mesmo aquelas que tanto doeram para serem conquistadas. E a conquista, sabe-se, não é um donativo, uma prenda ou uma esmola. Nem um mimo qualquer. A conquista exige coragem e determinação. Por isso, jamais renuncies ou renegues ao que conquistaste. Tua grandeza de espírito ferirá. Até ternura e carinho ferem.

O que fazer para não ferir? Nada? Ferirás. Muito? Findarás ferido. Ou sendo ferido. Tudo? Ferirás por não teres deixado vez para quem necessita de ti.

No abecedário da vida, só não fere quem confia na capacidade do outro de arrostar as suas feridas. De enfrentar as suas dores. De sair em frente. De prosseguir a longa e inescrutável jornada da vida. E a vida, como disse, é um jogo perigoso. É um processo de eterna aprendizagem. A amizade, o afeto e o amor idem. Eles carecem de fluxo. De passagem. De via. De processo. Eles precisam persistir mesmo ferindo.

Como não ferir? Per Bacco! Honestamente, não sei. Quem o souber que me responda. Se possível, sem ferir a mim e a ti!


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Um comentário:

  1. Gostei muito do artigo, é uma fonte de inspiração no que toca... Não sei o quê... Mas faz me lembrar amizade entre as pessoas.

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