terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Pense e repense a web...


É muito comum ouvirmos queixas sobre o modo como as redes sociais são usadas. Reflexo da preguiça, do vazio e do autocentrismo, postagens do tipo "está chovendo de novo, aff" ou "hoje acordei com dor de cabeça" inundam Facebook e Twitter com insignificâncias e inutilidades exasperantes. Existe também o reflexo do egotismo que desemboca no excesso da autopromoção, como se a web 2.0 fosse uma oportunidade de divulgação do que cada um está fazendo.

"Mas intimidade é saber o que não se está fazendo", me disse, com ironia, certa feita o poeta Fabrício Carpinejar, numa conversa sobre o Twitter. Ele dizia usar o microblog como "uma trincheira contra lugares-comuns e contra a obviedade".

O uso acrítico das redes sociais pode ser visto como parte de um fenômeno mais abrangente, que diz respeito ao uso da tecnologia pela tecnologia, sem se ter consciência das ferramentas utilizadas e, ficando sujeito assim, a repetições infinitas do mesmo.

A midiartista e professora da USP Giselle Beiguelman chamou esse sintoma de "capitalismo fofinho", "um capitalismo em que tudo soa onomatopeico, feliz e redondinho, como os logos e os nomes das principais redes sociais da web 2.0", diz ela.

Em contraponto a essa tendência, observa Giselle, existe uma "vertente tecnofágica", ou uma antropofagia tecnológica, marcada pelo uso crítico e criativo das mídias, no qual a utilização das ferramentas é subvertida. Testemunhei e participei de um fenômeno interessante nesse sentido. Sou membro, desde 2006, do Flickr, uma das maiores redes de compartilhamento de fotos na internet. E em certo momento, o administrador da rede endureceu a política de restrições ao acesso a fotografias não marcadas como "seguras" - em outras palavras, censura.

As restrições acabaram indo longe demais, com a má elaboração das estratégias de restrições, mesmo que a imagem não fosse completamente bloqueada - por exemplo, a foto de uma simples, linda e inofensiva flor poderia não aparecer para outros usuários, sendo necessária reconfirmar o interesse em ver a imagem entre vários alertas de conteúdo inapropriado.

Quando a situação foi percebida em seu absurdo - pois não fazia sentido, o tratamento recebido pelo site não condizia com as imagens, absolutamente inocentes -, criou-se dentro da própria comunidade, e fazendo uso das ferramentas que ela própria oferece, um movimento contra a censura, o "Think Flickr, think", que se espalhou rapidamente dentro da rede.

O movimento funcionou da seguinte maneira. Ao fazer um "upload" de uma imagem, deveríamos - os membros da comunidade contra a censura - inserir a tag "Think Flickr, think". Com isso, poderíamos localizar facilmente as fotos uns dos outros e postá-las novamente em nossas contas. Assim, quando ela fosse censurada na página daquele primeiro usuário, ela já teria se espalhado por outras, indefinidamente, como uma serpente que se corta a cabeça e outra nasce no lugar.

Ao cabo de alguns meses, o Flickr amenizou a política de restrições de conteúdo. Mas a censura ainda acontece, às vezes de forma nonsense, mas representa uma parte muito menor do que fora.
Se não conseguiu eliminar completamente os excessos, o Think Flickr, think ensinou muito sobre uso crítico da web e sobre mobilização em rede.


Fonte: otempo

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Um comentário:

  1. Muito interessante, este texto.
    Essa política de restrições a isto ou àquilo que alguns sites praticam quase sempre peca pelo exagero e chega a ser ridícula. Mesmo no di já reparei que tem de se ter imenso cuidado com o título das postagens porque basta conter certas palavras inofensivas para ser logo marcado como conteúdo adulto. Por exemplo as palavras "loira", "chapada" e outras. Eu ainda não percebi... aqui em Portugal dar uma chapada é dar uma bofetada, não chego a perceber o que isso tem de adulto.
    Gostei desta matéria. parabéns
    Bjinhos
    Moçoila

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