terça-feira, 20 de setembro de 2011

Depoimento: Os vendedores de Hitler



Nesta semana, um acontecimento em meu local de trabalho serviu de mote para esta crônica:

“O sujeito entrou na livraria onde trabalho e fez o possível para passar despercebido. Eu, do meu canto, pude perceber sua movimentação, que a princípio não parecia suspeita. Sua intenção era apenas olhar as prateleiras.

O insuspeito caminhou, caminhou e estacionou em frente ao setor de História Geral. Paralisado, observava as obras sem mover um músculo. Eu, ainda no meu canto, enviava e-mails de propaganda, no PC bem em frente ao referido setor. Distraído, cumpria minha função de homem-spam (apelido dado pelo estoquista, Nelsinho).

Em meio a um ou outro e-mail, senti um dedo cutucar duas vezes meu ombro. Virei e vi que o incauto transeunte precisava de ajuda. Ensaiado, perguntei:

- Posso lhe ajudar?

O rapaz, com voz trêmula e olhos no chão, apontou para a prateleira e disparou:

- Vocês têm livros do Hitler?

Mostrei alguns títulos sobre o personagem histórico e voltei aos meus afazeres. O rapaz olhou, re-olhou e saiu. Respirei fundo. Não que estivesse assustado ou surpreendido. Essa pergunta é recorrente em livrarias.

O que me deixou intrigado foi que, só naquele dia, eu havia atendido três jovens, no turno da tarde, interessados em livros sobre Hitler.”

Na minha trajetória como vendedor de livros, constatei que Hitler divide as preferências, taco a taco, com Jesus Cristo, Beatles, Istalin, Buda e outras celebridades, e que o número de curiosos sobre a trajetória do facínora nazista tende a crescer de acordo com o aumento do nível de corrosão da nossa sociedade.


Mas por que Hitler?

Posso pensar que, na falta de uma ideia mais substancial para o nosso tempo, jovens de todo o mundo, em busca de ícones mais sólidos, encontram no Führer um modelo de perseverança e inteligência.

Talvez essa busca tenha a ver com o fim das utopias e a vitória do capitalismo. Mas o certo é que a juventude não tem mais um representante com força suficiente para carregar uma geração. John Lennon, Bob Marley e Renato Russo não estão mais entre nós. E mesmo que suas obras sejam eternas, os jovens de agora precisam de alguém que fale diretamente com eles.

Mas quem vai ficar com esse papel?

Justin Bieber?

50 Cent?

Façam suas apostas.

Mesmo conhecendo a virulência da mensagem hitlerista, não culpo os jovens por procurarem desesperadamente por um ícone. Para mim, mesmo já curtido da vida, também é difícil não encontrar uma ideia interessante em meio a tantos ícones “pós-tudo”. O que me preocupa é não saber onde todo esse interesse levará. Um jovem pode ler algo sobre nazismo e levar apenas como estudo. Mas outros podem cair em armadilhas ideológicas e passar a aplicar tais fundamentos em suas vidas.

Na atual conjuntura, qualquer ideia melhor fundamentada será consumida vorazmente por pessoas órfãs de ideologias. Os nascidos a partir da década de 80 já nasceram órfãos da pós-modernidade
.

Talvez o problema seja o exatamente o “pós”. E é nesse “pós” que editoras, escritores, sites e emissoras de televisão investem pesado em material sobre o líder nazista, com a certeza de que terão um ótimo retorno devido à demanda cada vez maior. Sim, “cada vez maior”. Hitler é uma das personalidades mais pesquisadas no Google. E só o título desta crônica já o instigou a lê-la até o final.

Como vendedor, deveria me sentir bem com essa constatação, pois só um volume de uma das centenas de biografias de Hitler custa aproximadamente R$ 90,00. Mas ainda vende muito mais do que a biografia do Martin Luther King, que sai por apenas R$ 39,00.

Como escritor, poderia me aproveitar da situação e produzir algo mais “vendável” do que os meus poemas sobre o amor e vida.
Mas como pai, marido, filho, irmão e amigo, prefiro alertar a todos que certos males ainda permanecem a espreita, esperando o momento certo para contra-atacar.

Por: Rody Cáceres. Vendedor de livros e escritor.

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