sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A mentira e suas várias faces



Há um momento na vida em que, graças ao domínio de mecanismos sofisticados da inteligência, aprendemos a mentir. Mentimos jogando com as palavras, contendo gestos, assumindo posturas convenientes – e das quais discordamos – para aliviar tensões. Tentamos esconder aquele traço da nossa personalidade que não nos agrada assumindo uma maneira de ser mais apropriada. São tantas as possibilidades de escamotear a verdade que o mais prudente seria olhar o ser humano com total desconfiança – pelo menos até prova em contrário.

Ainda que sentir medo e insegurança faça parte da natureza humana, fingimos que tudo está sob controle e que nada nos abala para ocultar nossa fragilidade. Acreditando no que vêem, os outros passam a se comportar como se também não sentissem medo. Mentem para não parecer frágeis e inferiores diante daqueles que julgam fortes.

Nesse teatro diário, alimentamos o círculo vicioso da dissimulação. Minto para impressionar você, que me impressionou muito com aquele jeito fingido de ser – mas que me pareceu genuíno. Não seria mais fácil se todos admitíssemos que não somos super-heróis e que não há nada que nos proteja das incertezas do futuro?

Em geral, quem não aceita o próprio corpo evita praias e piscinas. Diz que não gosta de sol, quando, na verdade, não tem estrutura para mostrar publicamente aquilo (a gordura, a magreza ou qualquer outra imperfeição) que abomina. É o mesmo mecanismo usado pelos tímidos, que não se entusiasmam muito por festas e locais públicos. Em casa, não precisam expor sua dificuldade de se relacionar com desconhecidos.
Temos muito medo de nos sentir envergonhados, de ser alvo de ironias que ferem nossa vaidade. É para não correr esse risco que muita gente muda de cidade depois de um abalo financeiro. Melhor ser pobre e falido (e encontrar a paz necessária para reconstruir a vida) onde ninguém nos conheceu ricos e bem-sucedidos!

Até aqui me referi às posturas de natureza defensiva, que servem de armadura contra o deboche, as críticas e o julgamento alheio. Há, no entanto, um tipo perverso de falsidade: a premeditada. Pessoas dispostas a se dar bem costumam vender uma imagem construída sob medida para tirar vantagem.

Um homem extrovertido e aparentemente seguro, independente e forte pode ter criado esse estereótipo apenas para cativar uma parceira romântica. Depois de conquistá-la, revela-se inseguro, dependente e egoísta.

Mulheres sensuais podem se comportar de maneira provocante para despertar o desejo masculino – e sentir-se superiores aos homens. Vendem uma promessa de intimidade física alucinante que raramente cumprem, pois são, em geral, as mais reprimidas sexualmente. O apelo erótico funciona como atalho para os objetivos de ordem material que pretendem alcançar.

Não há como deixar de apontar a superioridade moral daqueles que mentem por fraquezas quando comparados aos que obtêm vantagens com sua falsidade. O primeiro grupo poderia se distanciar ainda mais do segundo se acordasse para uma verdade óbvia e fácil de enfrentar. Aquele que me intimida é tão falível e frágil quanto eu. E – nunca é demais lembrar –, para ele, eu sou o outro que tanto lhe mete medo.


Por Flávio Gikovate

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4 comentários:

  1. Gostei do texto.
    Acompanho o Flávio e seus depoimentos desde os anos 80. São muito pertinentes. Boa escolha.

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  2. Escrito de maneira fácil de entender, muito verdadeiro mesmo o texto.
    Legal.

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  3. São as velhas máscaras da "civilização" que acabam por esconder a verdadeiro eu. E por viver em sociedade que valoriza o super herói, insistimos em ser perfeito e com isso gastamos uma grande quantidade de energia, esmagando a paz consigo mesmo e com os outros. O medo de sentir envergonhado por não ter a imagem da " mídia " deixa aflorar mentiras para dentro de si e para fora de si. Um tema bastante longo e profundo.

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  4. Enganoso é o coração, quem o conhecerá? Eis uma questão que vive associada ao ser humano, sua vivência em meios a outros baseada na verdade e sinceridade, creio que a mentira é antes de tudo uma desculpa social da qual frequentemente lançamos mão a fim de nos defendermos de implicações e circunstâncias, está incorporada em nosso ser, grave é quando é feita deliberadamente com o intuito de ofender, prejudicar ou destruir o semelhante, aí sim é do capiroto

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