domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Jardim do Vizinho



Eu quero ser o “jardim do vizinho”. Não quero tê-lo, não quero possuí-lo. Quero mais que isso. Eu quero sê-lo de verdade. Ser esse jardim mais belo. O mais verde e bem cuidado de todos. Deixarei de ser aquilo que já sabem que sou. Serei apenas o que os outros desconhecem de mim.

Serei o grande “jardim do vizinho”, esse lugar que ninguém sabe onde fica, mas todos bajulam. Timidamente, porém, para não ferirem o próprio orgulho. Vou ser admirado por toda vizinhança. Vou ouvir os adultos romantizando-me no silêncio de suas inseguranças.

Quero ser o jardim de ninguém para poder ser, com exclusividade, o “jardim do vizinho” de todos. Ser objeto das fantasias mais ilusórias e adolescentes. Não quero ser mais um jardim de uma casa qualquer. Aliás, não vai mais haver casa em mim. Não tem graça ser o jardim da própria casa. Serei apenas o jardim do “jardim do vizinho”. Para isso, quero que minha casa fique em outro terreno. Para que ela possa me vislumbrar de longe. Faço questão de também ser o “jardim do vizinho” para a minha própria casa.
Quero ver minha casa e todas as outras se deleitando com as maravilhas que inventam a meu respeito. Vou ver todo o vilarejo me enaltecendo e me desejando. Vou ser, finalmente, esse jardim ao qual todos se submetem na profundeza de suas vaidades. Jardim que os vizinhos elogiam para si na covardia de seus desejos enrustidos. Vou ser o bom, velho e famoso “jardim do vizinho”. Despretensioso e causador. Sutil e barulhento. Jardim que coloca o invejoso de cara com sua própria inveja. Que deteriora a alma dos gananciosos. Perverte os pensamentos alheios. E mexe com a ambição da vizinhança inteira.

Vou ser o jardim mais colorido e cheiroso. Jardim literalmente intocável. Sem corpo físico, mas com muito prestígio. Quero ser a sublime satisfação de todo esse engrandecimento. Quero ser esse ego sem verbo, sem resposta, sem agradecimento. Somente o deleite do prestígio delirante alheio. Solto e deslocado num espaço metafísico qualquer.

Deixarei de ser único para mim para ser comum a todos, dentro de todos. Serei só ouvidos aos elogios insanos direcionados a mim. Vou ser “jardim do vizinho” eternamente. Lugar que ninguém alcança. Mãos não encostam, olhos não veem. Aquilo que o vilarejo não consegue digerir por inteiro. O inapurável. Lá, onde não há nada. Onde só existem as possibilidades daquilo que inventam. Na solidão absoluta do inacessível “jardim do vizinho”.


Por Felipe Ret.

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2 comentários:

  1. Olá William, olá Felipe!
    Maravilhoso o texto!
    Pois é... muitos querem ser o "jardim do vizinho", mais belos e floridos, admirados e queridos; mas não sabem o processo pelo qual o "jardim do vizinho" passou para ganhar tamanha beleza. Muito tempo de cultivo, muita experiência empenhada, muita dedicação e trabalho...
    Talvez seja mais fácil mesmo pegarem o trabalho pronto... é como dizem os botequeiros: "só olham as pingas bebidas, mas nunca os tombos tomados!"...
    E assim algumas pessoas vão se esgueirando entre as folhagens, invadindo uma vida que não lhes pertence, simplesmente para terem o prazer de dizerem: "aqui mora o melhor!".
    Grande beijo,
    Jackie

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  2. Willian... belo texto! É tão mais fácil reconhecer no "vizinho" o melhor e querer ser ele.... no entanto a caminhada e o processo interior do vizinho é algo personalizado.... por isso, por mais que tetem, nunca seremos como o "jardim do vizinho", poruqe ele é único....
    Beijo no coração

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