terça-feira, 2 de novembro de 2010

Entre a razão e a loucura: em que pé estamos?



A Atenção Básica deve ser a porta de entrada do sistema de saúde e ela deve regular a rede de saúde através do planejamento de ações e dos serviços visando à integralidade da assistência.
Quando falamos em loucura, a primeira ideia que a maioria das pessoas tem está associada à doença, à psiquiatria e relacionada, ainda, à necessidade de um tratamento especializado, de preferência isolado dos demais serviços de saúde. A própria imprensa, muitas vezes, colabora com essa cultura, fazendo críticas à história do movimento da reforma psiquiátrica e das políticas sobre o tratamento das pessoas com sofrimento mental, não reconhecendo os avanços alcançados em diversos municípios que criaram a rede de serviços nos moldes da reabilitação psicossocial, baseada na lógica do Sistema Único de Saúde - SUS. Coloca, ainda, a necessidade da institucionalização até como segurança das demais pessoas que vivem na comunidade, insinuando o caráter da periculosidade das pessoas com sofrimento mental.
Será que a nossa cidade, intitulada “Cidade Saudável e Cidade Educadora” está tratando e educando seus munícipes para a ampliação desses conceitos? Por exemplo, o Prof. José Carlos Libaneo entende educação como uma ação humana que objetiva efetuar e produzir mudanças qualitativas no modo de ser das pessoas, no sentido de favorecer as relações humanas. A educação pressupõe solidariedade, colaboração, trabalho coletivo.
No campo da saúde, a saúde mental está intrinsecamente relacionada e por isso deve compor a Atenção Básica, principalmente acolhendo as pessoas em sofrimento no próprio território, também num processo educativo de solidariedade, colaboração e trabalho coletivo, do aprendizado da própria equipe de saúde como das demais pessoas pertencentes àquele bairro. A Atenção Básica deve ser a porta de entrada do sistema de saúde e ela deve regular a rede de saúde através do planejamento de ações e dos serviços visando à integralidade da assistência. Assim, as Unidades Básicas de Saúde, serviços que compõem a Atenção Básica, devem ser estruturadas para promover ações de promoção, prevenção, diagnóstico, reabilitação, bem como a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer as possibilidades de viver de modo saudável.
Neste contexto, ao buscarmos modelos, encontramos em Saraceno a crítica ao modelo médico hegemônico, dizendo da necessidade de criarmos uma nova cultura em que saúde não é sinônimo da ausência de doença e por isso não necessita ser tratada somente através da medicalização. Ele nos propõe um modelo da “clínica ampliada” através de práticas democráticas e participativas sob a forma de trabalho em equipe (não somente da equipe de médico e enfermagem, mas com outros profissionais como: o terapeuta ocupacional, o psicólogo, o nutricionista, o farmacêutico, o assistente social, o educador físico, entre outros) dirigida à população de territórios delimitados, pelos quais a equipe assume as responsabilidades sanitárias. Machado de Assis, no conto “O Alienista” (1882) já fazia uma crítica ao modelo cientificista, a partir do seu personagem o doutor Simão Bacamarte.
Saraceno ainda costuma dizer que nós temos muitas dificuldades de conviver com as diferenças (não sabemos cuidar das pessoas que estão cegas, ou surdas, ou utilizam cadeiras de roda, ou apresentam um comportamento estranho, ou mesmo as que estão envelhecendo).
Diante das diferenças, preferimos criar lugares de internação para proteger-nos, embora digamos que é para a proteção/cuidado do próprio sujeito “doente”. Convivemos com outras várias situações: criamos também as escolas especiais, as internações compulsórias para jovens que estão cumprindo medidas socioeducativas, os serviços de saúde e de assistência social para pobres, desabrigados, etc. Essas ações são justificadas pela psiquiatrização e judicialização das questões sociais como respostas às turbulências dessa população (como analisa a psicóloga e professora da PUC/SP, Maria Cristina G. Vicentin).
Por outro lado, convivemos com jovens, “bem formados, bem-educados, de uma classe social diferenciada” que repentinamente passam a ocupar os noticiários policias; um jovem motorista, estudante de medicina, é atingido por outro carro, dirigido também por um jovem, que avança o semáforo e mata-o; uma adolescente de quinze anos que participa de uma festa de debutantes e é encontrada “desfalecida” numa saleta de um clube da cidade. Quais são as justificativas? As mesmas relacionadas acima, culpando ou delegando as responsabilidades para o outro.
Pergunto: que responsabilidades nós temos frente a essas situações? Que sociedade queremos e estamos construindo? Reafirmando aos nossos filhos o narcisismo, a competição? Queremos os nossos filhos doutores, de preferência médicos, juízes, promotores de Justiça, mas não para aprender a cuidar do outro, não para fazer justiça e contribuir para as mudanças sociais; apenas o “status” nos conforma. E, ficamos nos vitimizando das ações de violência, imputando ao outro a total responsabilidade, inclusive das nossas omissões. Quais famílias estão desamparadas? Quem é o louco afinal?


Soraya Diniz Rosa. (soraya.rosa@prof.uniso.br)

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