sábado, 16 de outubro de 2010

A vantagem de ser bobo



Você, que é padre, pastor ou por qualquer meio tem contato direto com a Providência, faça-me um favor: diga bem ao pé do ouvido de Deus que minha mãe merece um lugarzinho à sua direita.
Ela é uma mulher boazinha demais. Foi adicionando uma pitada de boa-fé à minha personalidade que ela fez de mim um bobo.
Os de linguagem mais esmerada talvez dissessem que ela fez de mim um acaciano. Mas não é o Conselheiro Acácio também um bobo?
Dizia que, invariavelmente, os professores sabem mais que os alunos e que estes devem acatar tudo o que aqueles lhes transmitem, não nego isso totalmente.
Para ela, ninguém ocuparia um cargo público sem ter ânimo ou competência para bem exercê-lo.
Minha mãe preocupou-se em contar para nós, os seus filhos, que a verdade sempre vence e, portanto, a mentira é artifício efêmero e de pouca valia. Disse que as pessoas de bem devem “jogar com uma carta de menos”, vale dizer, nunca devem insinuar ser melhores do que são; mais poderosos do que são; mais honestos do que são...
O mais relevante é que quem ouve suas lições de vida – eu, inclusive - sempre acredita nela.
Fala com uma convicção tão cristalina que não restam dúvidas sobre o que diz. Tenho até saudade de lugares que nunca conheci, ela apenas os descreveu para mim com uma minudência tão rica que tenho nítida impressão de que estive lá... E é uma saudade esquisita... Não tenho sequer a possibilidade de voltar àquelas paragens... Esses lugares estão dentro de mim e são um acréscimo à saudade que sinto de minha mãe...
Quando os professores diziam que “a lei não tem palavra inútil”, eu, como convém a um bobo, não duvidei.
Pior que isso, não só acreditei firmemente como relacionei isso a outras situações, já que, como advertiu a crônica de Clarice Lispector - “Das vantagens de ser bobo” -, ser bobo não é ser burro.
Julguei que se “a lei não tem palavra inútil”, as autoridades que tem o dever de bem aplicá-la (a lei) não tem o direito de cometer atos inúteis ou exacerbados. Portanto, como convém a um bobo, acho que quem vê “pirotecnia” ou “atos de picadeiro” em algumas ações de agentes públicos, está completamente equivocado.
Municiado com os ensinamentos de minha mãe, eu jamais cogitaria que a prisão de secretárias e outros subalternos, em operações policiais cujos nomes tem mais pompa e repercussão que elas próprias, seja para quem cultua a democracia e a cidadania, uma monstruosidade, já que encerram em si mesmas o malferimento dos princípios constitucionais da Razoabilidade e da Dignidade da Pessoa Humana, dentre outros.
Como convém a um bobo, minha boa-fé não admite que eu conceba juízes despreparados ou desidiosos. Não acreditei quando me disseram que há magistrados que, mesmo sem emitir uma decisão específica - em que há fundamentos jurídicos e legais -, acolhe execução de valores astronômicos contra o INSS com base unicamente num despachozinho em que adverte a autarquia de que, em não cumprindo isso ou aquilo em tal tempo, se aplicará a tal multa.
Como um bobo pronto e acabado, acho muito estranho que alguém impute multa diária a quem não tem nenhuma responsabilidade no descumprimento de ordem judicial. Um bobo, como já se disse, é dotado de extrema boa-fé, e para quem tem boa-fé é muito natural perceber que o INSS jamais autorizou seu agente a descumprir uma ordem judicial, portanto, esse agente está desatendendo a dois comandos: ao do próprio INSS e ao do juiz, e, diante disso, um bobo tem enorme dificuldade de admitir que a autarquia previdenciária seja penalizada por desídia de quem não está sob suas ordens. Claro! O INSS não deu ordem para o tal atraso. E isso é muito fácil de perceber... Sendo um órgão estatal, sua vontade é expressa pela lei.
Um juiz (que se fizesse de bobo) deveria cometer atos judiciais tendentes a reprimir a desídia de agente público. Não se conhece nenhum caso em que a sanção pessoal (corporal, até) do servidor público pertinaz e reincidentemente prevaricador não tenha trazido a solução.
Se a medida coercitiva tiver cunho econômico-financeiro, a tendência é se alevantar uma nuvem de dúvidas e de infinitas possibilidades, sendo que algumas delas são verdadeiramente obscuras. Tais indagações devem levar o sancionador a refletir acerca de sua conveniência – ainda mais se esses valores forem significativos.
Minha mãezinha, certamente, faria um cotejo entre os dois tipos de autoridades tão próximas e tão distantes: aquelas que prendem subalternos para averiguações (segundo os jornais da cidade) e aquelas que, mesmo sem formalmente aplicarem multas diárias no valor de um salário mínimo ao INSS, não somente permitem a execução das somas altíssimas delas resultantes, como presidem esse descalabro. Não veria descompasso nisso... É uma santa a minha mãezinha.
Minha mãe, de fato, merece todas as orações. Se todas as pessoas do mundo fossem seus filhos, o mundo seria de plena felicidade. A dúvida é a verdadeira fonte da infelicidade.

Pedro Moreira de Melo é procurador federal.

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