sábado, 21 de agosto de 2010

Os malabaristas do sinal vermelho



Eles já fazem parte do nosso cotidiano. Estão diariamente nas principais esquinas das cidades aproveitando o tempo do sinal vermelho para oferecer o seu show. Fazem malabarismos, engolem fogo, equilibram bolinhas, jogam cones para o alto e os acolhem nos braços com rara habilidade, equilibram-se em pernas de paus, vestidos com roupas coloridas. Verdadeiros palhaços das ruas: os malabaristas do sinal vermelho. João Bosco e seu filho Francisco retrataram com rara inspiração esses personagens do nosso dia a dia na canção Malabaristas do sinal vermelho, composta em 2003: "Daqui de cima da laje / se vê a cidade / Como quem vê por um vidro / O que escapa da mão / Uns exilados de um lado da realidade / Outros reféns sem resgate da própria tensão / Quando de noite as pupilas da pedra dilatam / Os anjos partem armados / Em bondes do mal / Penso naqueles que rezam / E nesses que matam / Deus e o diabo disputam a terra do sol / Penso nos malabaristas do sinal vermelho / Que nos vidros dos carros / Descobrem quem são / Uns, justiceiros, reclamam o seu quinhão / Outros pagam com a vida sua porção / Todos são excluídos na grande cidade".
Depois do rápido espetáculo, que precisa ser cronometrado ao tempo do sinal vermelho, eles passam entre os carros para colher o pagamento pelo que ofereceram. São movimentos rápidos, cronometrados e arriscados. É a busca pela sobrevivência no modelo capitalista neoliberal. E, aí, como diz a letra da canção - nos vidros dos carros, descobrem quem são -, são os verdadeiros mendigos contemporâneos. E nós, acomodados em nossos carros, com ar-condicionado, ouvindo uma boa música, também descobrimos naquele pequeno tempo do sinal vermelho os graves problemas sociais que ainda nos rodeiam.
Dias atrás, fiquei observando que, diante da abordagem do malabarista, que era um adolescente de no máximo uns 18 anos, a maioria fingiu não ver o que acontecia a sua frente. Nada, ninguém se abalou, nenhuma moeda. A maioria ignorou o seu trabalho. As janelas dos carros permaneceram fechadas. Os motoristas nem olhavam nem reconheciam a existência daquele artista. A questão que talvez poucos perceberam é que não se tratava de circo ou de teatro, era realidade. Realidade social exposta, jogada na nossa frente.
Lembrei que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente rezam que viver não é apenas respirar, mas a participação em todos os direitos da cidadania bem como a proteção contra as agressões, danos físicos, emocionais, sociais, etc. Sou sempre receptivo e lhe dei uma pequena recompensa pelo breve show. Quando o sinal abriu, ele voltou para a calçada, contou os trocados até então arrecadados e começou a se preparar para o próximo número do seu repertório. Até imaginei que a Secretaria de Mobilidade Urbana poderia remunerá-los por aliviar, por breve instantes, a tensão dos estressados motoristas diante dos problemas do nosso conturbado trânsito. Na verdade andamos todos apressados. Afinal, tempo é dinheiro.
Paulinho da Viola, em uma antológica canção de 1967, retratou essa realidade em Sinal fechado: "Eu vou indo correndo / pegar meu lugar no futuro / me perdoe a pressa / é a alma dos nossos negócios". Muitas vezes, ficamos contrariados por sermos obrigados a frear e esperar o interminável tempo de um sinal vermelho. O correto, sem dúvida, é encaminhá-los para os órgãos assistenciais. É difícil, entretanto, não ajudá-los. Ao vê-los não tem como não se recordar de outra canção sobre essa verdadeira saga de nossas esquinas. Chico Buarque e Francis Hime já cantavam em 1993: "No sinal fechado / Ele vende chiclete / Capricha na flanela / E se chama Pelé / Pinta na janela / Batalha algum trocado". A verdade é que hoje eles fazem parte do cenário urbano das nossas cidades. São o retrato das desigualdades sociais que ainda nos atormentam e que possuem raízes históricas como a forma de colonização, a profunda dependência externa do país, a acumulação de riqueza pelas camadas mais favorecidas da população, a marginalização histórica de parcelas significativas da nossa gente, aliadas às práticas administrativas que privilegiam o apadrinhamento político e favorecem o desvio de verbas, podem explicar a situação de segmentos como destes malabaristas do sinal vermelho.


por José Ernani de Almeida.

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5 comentários:

  1. Olá!Bom dia! Aqui em aracaju tem também malabaristas, geralmente crianças menores de doze anos, tem também uma drag que se veste de personagens, Xuxa e outras.... e os adultos que ficam xom uma garrafinha de água e um rôdo para limpar o vidro do carro, até quando está tudo limpo, eles já jogam a água de longe, o que não agrada a ninguém. Eles acabam, muitas vezes, tornando o trânsito mais lento, porque quando abre o sinal, ainda estão no meio da rua. è isso!
    Carla Fernanda

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  2. Amigo William, não somente os desvios de dinheiro público mas a falta de políticas públicas em educação, saúde, emprego e renda, levam essas pessoas, em sua grande maioria, crianças, a fazerem verdadeiros malabarismos para sobreviver. Belo Post! Um grande alerta à população sobre os "esquecidos" de nossa sociedade. Beijos, B.B.

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  3. Oi !!!!!!!
    Nossa eu morro de dó desses malabaristas, sempre que vejo fico meio tirste, sabe, pensativa ! É um mundo cão mesmo , uma desigualdade muito cruel !
    beijos

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  4. Oi....
    indiquei vc pra ganhar dois selos de qualidade blogueiros (:
    passa la no minny.na e pega os selos.

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  5. Há malabaristas de rua por necessidades e há sim, malabaristas disfarçados, para roubar os motoristas, por isso muitos ficam desconfiados e nem abre as janelas por já terem sido vítimas destes maus malabaristas.Sou do Rio de Janeiro é e um perigo os ambulantes que ficam no sinal vendendo ou pedindo , entre outros...
    O Fantástico fez uma reportagem
    com uma mendiga que acumulou um patrimônio de 3 casas compradas com a profissão: pedinte de rua e mostrou na tv.Meu esposo conhece um pedinte de rua que formou os tres filhos na faculdade e tem duas casas.lamentavelmente hoje em dia, não sabemos quem é quem e para onde
    está indo a esmola que se dá pois há casos que são para comprar drogas. Realmente é triste a situação do país.

    Com carinho
    Isa
    http://sabedorias-isa.blogspot.com
    http://proverbiosesabedorias.blogspot.com

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