domingo, 29 de agosto de 2010

Moradores de rua são frutos sociais dos péssimos prefeitos de todo Brasil



Herbert José de Sousa, o Betinho, com certa aflição, dizia que “essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar condenado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas e estão sendo assassinadas”. Afirmava, ainda, com sua coragem de espírito, que “o desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade”. Estimável sociólogo, que praticava o que sabia, Betinho foi um grande ativista dos Direitos Humanos no Brasil, e autor do projeto “Ação da Cidadania contra a fome, a miséria e pela vida”, que toou, outrossim, como base ideológica para os programas sociais do Governo Lula. Que ele sirva, portanto, de referência intelectual neste momento crítico, quando as prefeituras principiam o poder público a ponderar tardiamente sobre a questão dos moradores de rua.
Assim, deveríamos iniciar tentando entender “quem” são os moradores de rua, e não “quantos” são eles, como recomendaria as estatísticas. São um conjunto finito de homens, mulheres e crianças que não tem onde morar? Não, são indivíduos de uma sociedade ambígua, com particularidades que não devem ser desprezadas se quisermos compreendê-los objetivamente. Cada qual tem sua origem em lugares diversos, com motivos também distintos para estar em situação de rua, e maneiras também diferentes de lidar com esta condição. Quer dizer, moradores de rua não são uma massa homogênea de rotos esfarrapados. São pedintes, marginais, drogados e bêbados? Não, não são também isto: às vezes estão. Um dos erros do setor público e da sociedade é querer encaixá-los em estereótipos definitivos, para depois poder enquadrá-los mais facilmente em nossos artigos penais, dando-lhes “o que merecem”, de acordo com seus “vícios”. Então, pergunta-se, quem são os moradores das ruas de sua cidade ? Evidentemente, eles são consequência imediata, ou efeito, da disparidade social produzida pela própria dinâmica socioeconômica dos municípios. Muitas delas planejadas,mas o crescimento das cidades foi, de fato, fortemente conduzido por sombrios interesses imobiliários, comerciais e arrecadatórios, fazendo com que, por fim, o poder público privilegiasse poucos senhores notáveis em detrimento de uma afluência cada vez maior de imigrantes sem qualificação profissional e vítimas do êxodo rural, que incharam (e ainda incham) as periferias delas e das Regiões Metropolitanas. Exagero nosso dizer que muitas são um território de riqueza restrita e de miséria abundante? Não, hoje, de acordo com o documento "O Estado das Cidades do Mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido", publicado pela ONU, algumas de nossas capitais, em relação a desigualdade, faz frente à capital da Nigéria.
Faz-se conveniente lembrar um antigo texto carrancudo do antropólogo Darcy Ribeiro que dizia o seguinte: “o Brasil cresceu visivelmente nos últimos 80 anos. Cresceu mal, porém. Cresceu como um boi mantido, desde bezerro, dentro de uma jaula de ferro. Nossa jaula são as estruturas sociais medíocres, inscritas nas leis, para compor um país da pobreza na província mais bela da terra. Sendo assim, no Brasil do futuro, a maioria da gente nascerá e viverá nas ruas, em fome canina e ignorância figadal, enquanto a minoria rica, com medo dos pobres, se recolherá em confortáveis campos de concentração, cercados de arame farpado e eletrificado. Entretanto, é tão fácil nos livrarmos dessas teias, e tão necessário, que dói em nós... A nossa conivência culposa”. Assistindo à realidade dos moradores de rua e comparando-a à realidade dos moradores de condomínios luxuosos em várias cidades, podemos imaginar que aquele futuro mencionado por Darcy já deve ter chegado. Mas dói a nossa conivência culposa?
Em alguns o sentimento de culpa deve doer sim, porque senão as Secretaria de Segurança Pública das cidades não discutiriam amplamente a questão junto à sociedade, preferindo senão agir apenas com os rigores da lei sobre os escravos da mendicância. Na verdade, devemos dizer que, felizmente, tenho notícia que algumas Secretarias tem se mostrado preocupadas com o problema dos Centros das cidades, onde é comum encontrarmos diversas pessoas em situação de rua, abandonadas e quase sempre utilizando substâncias entorpecentes. E, destemidamente, acabaram por provocar uma discussão nas sua sociedades, que deveriam realmente ter sido proposta por outros poderes há muito tempo. Acreditamos que chegou a hora de mostrar a todos que mendigos são tão parte da sociedade quanto os trabalhadores e os empresários, não podendo ser tratados como externalidade negativa do sistema econômico capitalista, como é o caso da poluição da terra, do ar e das águas. Mendigos não são poluição, são seres humanos que vivem em nossas cidades em estágio involuntário de desocupação, de enfermidade e/ou de necessidade.
No entanto, os diálogos preliminares motivaram a polícia a estabelecer uma Operação que percebemos, em princípio, ser um tanto duvidosa quanto ao seu objetivo. A ideia de retirar os mendigos das calçadas dos centros e de encaminhar supostas pessoas com débito na justiça para delegacias suscitou mais confusões e desconfianças em meio às famílias e setores organizados, do que gera efetivo sentimento de segurança. Mesmo o Ministério Público se sentiu provocado ou persuadido a entrar nesta grave discussão, que tenta colocar fim a uma mazela social com simples ações coercitivas, mas, pelo que vimos até agora, pouco sociabilizantes. Nosso papel como cidadão também é o de participar deste debate e indicar soluções mais humanas. Daí que pensamos que qualquer ação que busque resolver esta enfermidade social precisa também ser muito mais densa, muito mais sólida do que apenas retirar os moradores de rua e tentar adaptá-los a alguma casa de acolhida desestruturada. Se estamos certos em nos preocupar com a condição daquelas pessoas, por outro lado estamos errados em querer estancar o sangue sem resolvermos ao mesmo tempo a causa desta hemorragia. Ou seja, a verdadeira solução está na causa primordial e não somente no último efeito.
A inclusão, portanto, é necessária. Na verdade, ela é imprescindível, se queremos que os cidadãos brasileiros tenham verdadeiramente a qualidade de vida tão propagada pela mídia. É preciso que haja interação entre os poderes públicos e o setor privado para se criar um sistema de inclusão ou reinserção dos moradores de rua na sociedade produtiva. Sim, na sociedade produtiva e não somente em albergues onde poderão tomar banho e comer algum nutriente. É preciso educar ou reeducar aqueles que hoje vivem sob lajes, em bueiros, em praças públicas ou sob jornais velhos, e trazê-los destes lugares para onde foram empurrados no passado. Não, nunca é uma escolha autônoma ir morar na rua, é a própria sociedade que, de forma direta ou indireta, arremessa aquelas pessoas no passeio público antes de lhes virar as costas. É preciso criar uma estrutura que resgate a pessoa humana que, no fundo, quer ser compreendida, ouvida e quer participar produtivamente da economia e da sociedade.
Todavia, é preciso ficar terminantemente claro que este trabalho de resgate não é uma obrigação somente do poder público municipal ou da polícia, como se pensa comumente. Precisa abranger a sociedade, empresas e, especialmente, todos os municípios das Regiões Metropolitanas das cidades, que também sofrem pela falta de estrutura sócio-econômica e pelo crescimento desordenado. A polícia, por sua vez, deve servir de instrumento somente quando necessário, ou seja, limitando-se às ações de coibição ao crime. É lamentável, por exemplo, que hoje os Policiais Militares façam o papel de prisão de menores infratores, quando o seu papel não é este. É preciso oferecer melhor destino àquelas crianças e adolescentes que foram recolhidos ali, e mostrar-lhes oportunidades mais interessantes, antes que façam parte de futuras estatísticas lamentáveis.
Enfim, muito nos honrará interferir como cidadão representante do povo nestas discussões. Buscamos contribuir com o melhor debate para encontrarmos as melhores soluções. O futuro do país deve ser feito agora com base na vida real e não apenas na imagem insólita de cidades cheias de praças e parques bem arborizados. A qualidade de vida é a qualidade de vida de todos e não somente de alguns.

Djalma Araújo. (djalmaaraujopt@yahoo.com.br.)

Que achou da idéia do Djalma? Comente sobre esse grave problema social.

Um comentário:

  1. William,
    Mais um texto maravilhoso.
    As desigualdades sociais existem, mas se os nossos governantes quisessem, eles poderiam reverter esta situação.
    Se as verbas públicas não fossem desviadas para os bolsos desses políticos imorais, com certeza sobraria muita verba para abrigar esses moradores de rua, com moradias dignas, educação e alimentação.
    Mas eu acredito que é muito mais fácil nós encontramos isso em Thomas More, pois a Utopia impera diante os donos do poder.
    Uma vergonha nacional, mas tem gente que ainda vota nos ditos cujos...
    Política? To fora!
    Parabéns pela postagem.
    Bjs.

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