quarta-feira, 30 de junho de 2010

A paz que vem de dentro



Encontrar espaço em meio ao entusiasmo de uma Copa do Mundo e de festas juninas é um grande desafio quando se necessita de recolhimento e introspecção para ler as mensagens interiores. Ainda assim, entre arraiais, fogos de artifício, bombinhas, buzinaços e vuvuzelas, os mergulhos interiores acontecem e nos fazem perceber a poeira cósmica que somos. Para penetrar o silêncio na imensidão do espaço nós encontramos um ponto que parece nos colocar no centro do universo, bem no nosso âmago. Nenhum som, nenhuma sensação descritível, apenas uma experiência individual com outra lógica, que derruba todos os limites da nossa compreensão. A única coisa certa é que essa experiência não se realiza de forma concreta, passa-se na mente e é na mente que se processam as coisas do espírito.
Assim como precisamos do silêncio interior para ter o contato com a luz que vem de dentro, precisamos compreender que se a palavra é de prata, o silêncio é de ouro, quando se trata da tagarelice a respeito das nossas experiências internas. O silêncio é o nosso espião. Ele nos sonda, mas também nos protege das contradições humanas. Ser senhor do próprio destino, com certeza, implica em uma consciência desperta e disciplinada e, sobretudo, na prática de uma relação de verdade consigo mesmo. Há que se exercitar essa intimidade sem medo, percorrendo caminhos espinhosos e cheios de obstáculos, sem perder de vista que nossos inimigos são os nossos defeitos e as pessoas que nos fazem obstáculos são apenas espelhos que nos fazem ver a nós mesmos.
O sol ilumina tudo e a todos de maneira instantânea, mas a nossa percepção dele pode variar de acordo com a situação que vivemos ou o uso que fazemos dele: pode nos aquecer do frio, pode nos incomodar fazendo-nos suar, pode queimar a nossa pele, mas não negamos que na luz está grande parte da essência da vida. Estas constatações evidenciam a pequenez do homem diante da grandeza do seu Ser, coberto ainda por camadas de ignorância, vaidade, egoísmo. Somos sempre neófitos galgando degraus na infinita espiral da alma. Cada degrau alcançado é o resultado de muita disciplina, da marcação do ritmo respiratório e da adaptação da nossa consciência ao insólito. Intuitivamente sabemos que nossas experiências internas nos despertam para a compreensão de uma realidade maior, que transcende a consciência comum e as nossas atribulações na lufa-lufa dos dias.
O homem nasce e morre. A vida, no entanto, acontece nesse intervalo, e o modelo tradicional – crescer, comer, beber, dormir, estudar, trabalhar, casar, ter filhos, criar filhos, aposentar – não promete nenhuma felicidade e embaça a nossa visão do fim. O que pode diferenciar as nossas vidas são as nossas percepções, a harmonia entre os ritmos do consciente e do inconsciente. O homem luta por sua superioridade no reino animal e entre os outros homens, mas a luta mais acirrada é consigo mesmo. Há uma aura de mistério nos envolvendo, sentimentos, sensações, percepções, que se instalam em nossa profundeza e não sabemos como lidar com elas. É nos recolhendo que podemos intuir sobre o significado dessas experiências em nossas vidas. Isto sim é ser mestre de si mesmo. Aprender a percorrer a solidão e o silêncio. É evidente que este estado de comunhão com a fonte de energia renovadora não se conquista com isolamento. O silêncio que não constrói é como o delírio de um doente mental.
Não nascemos para viver isolados e, por isso, quando nos unimos a outras pessoas procuramos sempre por nossos pontos em comum, e as associações acontecem pela ideologia, afetividade, trabalho, política, religiosidade. Conhecer-se significa não ter medo das próprias sombras; é navegar pelas mais profundas águas e encontrar-se no silêncio, sem gritos ou letras garrafais; só simplicidade e liberdade de espírito. Uma alma ordenada sabe que nem sempre será possível recolher-se a um local específico e consegue, mesmo nas tormentas da vida diária, o seu lugar de paz profunda.

Kleber Adorno.

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2 comentários:

  1. "...sem gritos ou letras garrafais..."

    A prata de uma palavra dita na hora e da maneira certa ou o ouro do silêncio em um momento oportuno, fazem de um senil, um grande poeta ou uma gigantesca besta.

    Um forte abraço!

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  2. "Nós nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Somente através do amor e das amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos sozinhos."
    Orson Welles

    Abraços forte

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