terça-feira, 15 de junho de 2010

O patriotismo de chuteiras



Movido por um sentimento patriótico exa-cerbado pouco visto em outros momentos no Brasil, os períodos de Copa do Mundo evidenciam o forte sentimento criado sobre um imaginário que se estabelece, confundindo-se a seleção brasileira de futebol com a própria nação.
Com as identidades nacionais construídas a partir de processos históricos, como normalmente ocorre com grande parte dos outros países, no Brasil, a cristalização da identidade patriótica concentra-se, sobretudo, em um outro aspecto: o futebol.
O Brasil não tem um grande sentimento de nacionalismo a não ser em época de Copa do Mundo. A bandeira e o hino, que são dois símbolos maiores de um país, ficam meio esquecidos nos anos de intervalo entre as copas. Mas é nesta época que o sentimento de brasilidade aparece, todos se mostram genuinamente patriotas, chorando, fazendo loucuras, pintando rosto, enfeitando casas e carros. Pena que vemos isso só de quatro em quatro anos, pois depois que acaba a Copa todos voltam à mesmice, esquecem de sua pátria.
Nelson Rodrigues, ao notar que “a pátria calça chuteiras”, chamou a atenção para um curioso fenômeno. Basta a seleção “canarinho” entrar em campo, para disputar mais uma Copa do Mundo, que as ruas de nossas cidades se tingem de verde e amarelo. Pessoas que não demonstravam nenhum amor especial pelo seu país passam a agir como chauvinistas enfurecidos.
Nem em dia de Tiradentes encontramos uma bandeira sequer e nenhuma homenagem, poucos conhecem sua história. Até mesmo dia 7 de Setembro, que é uma homenagem à Independência do Brasil, não vemos tantos patriotas assim, somente um rápido desfile cívico.
Realmente o Brasil só se sente patriota em época de copa do mundo. Basta perguntarmos à esmagadora torcida quantos possuem a camisa ou bandeira do Atlético, Goiás, Grêmio, Flamengo, Corinthians, São Paulo e outros, e, aos mesmos, quantos possuem a camisa da Seleção. Quem realmente usa o adesivo da Seleção em seu veículo?
Isso que acabamos chamando de patriotismo me parece uma deturpação e uma deformação do que geralmente é em outras culturas, a relação do cidadão com seu país, tendo orgulho de feitos de sua pátria. Como nós não temos grandes ou expressivos feitos, transferimos um pouco essa falta para onde somos positivos, o futebol.
Muitos ainda acreditam que eventos como Olimpíadas e Copa do Mundo são “o ópio do povo”, que despolitizam e desmobilizam energias que deveriam ser aplicadas em lutas mais importantes. Proponho, aqui, uma reflexão a respeito, um outro olhar, apenas como exercício de curiosidade, apenas como pensar, o mesmo, sob outra ótica. Nem mais certa nem menos certa que todas as outras, talvez, complementar.
Sempre achei interessante ver o nervosismo, a alegria e festa que envolve a todos na época desses eventos, mesmo os que dizem não gostar destes acabam ligando-se a eles pelo sentimento contrário; então devemos pensar que mobilizam energias coletivas e individuais.
Vamos olhando à distância, um certo alheamento, até que começa e ouvimos o silêncio que antecede o gol, aquela pausa uníssona no respirar e a explosão em gritos, buzinas e pipocar de fogos. O grito pula da garganta, vemo-nos ali, olhos brilhantes, como se realmente nossa vida se resumisse àquele gol. E, talvez, se resuma mesmo, pelo menos naquilo que veremos nela como essencial, nesse sentimento sem nome que nos une a todos por um fio invisível, torcemos em torno de um único ideal, muito próximo daquilo que Freud nomeou de “ideal do ego”. Não há homem, não há mulher, não há criança, velho, novo, pobre, rico... O que temos são olhares perdidos na mesma direção, o mesmo pulsar e penar.
A Copa é um evento esportivo bonito de se assistir e acompanhar, mas tenhamos em mente que ela não irá interferir em nossa vida. Logo, se você perder algum jogo, não considere isso como perda e motivo de lamentação. Pelo contrário, dedique seu tempo com atividades que te façam exercitar suas forças e virtudes pessoais. Pois essas atividades têm a capacidade de mudar o rumo de sua vida. A Copa não tem esse poder.
Lembremos ainda que, pouco mais de dois meses após a realização da maior competição esportiva mundial, teremos outra competição, interna, esta das mais renhidas, e para ela precisamos estar de olhos bem abertos. Entram em cena Dilma e Serra em substituição a Dunga e seus guerreiros. É a disputa das urnas, onde não haverá bola nas redes, porém, prováveis e inevitáveis engodos para pescar o voto dos brasileiros desatentos. E aí, após o sufrágio irrefletido, nada mais se tem a fazer, enquanto os maus políticos, penhoradamente, agradecerão o cochilo nosso. Daí é “só correr para a galera”.
Ópio do povo ou saudável e genuína forma de expressão e entretenimento de toda uma nação? Ferramenta de manipulação política ou alternativa de ascensão social e afirmação das camadas mais pobres da população? O futebol comporta essas e tantas outras análises, desperta ódios e paixões, traz à tona o melhor e o pior de cada torcedor e chega a maquiar o mais puro dos sentimentos patrióticos.
Não tenho dúvidas de que esse evento esportivo tem alguns efeitos benéficos interessantes, e não falo aqui da união cívica, falo sim da conexão com os amigos e a família, para assistir os jogos, como forma de reforçar relacionamentos. O futebol tem essa coisa extraordinária. De um lado ele camufla uma série de questões importantes, mas de outro ele é um dos poucos canais que permite discutir esses assuntos essenciais.
Infelizmente, uma parcela significativa da classe política não enxerga por esse viés. Oferecer opções de acesso aos jovens, a partir das classes mais humildes da sociedade, às mais variadas práticas esportivas – em especial ao futebol, pois somos ícones mundiais nessa modalidade – é uma maneira prática e eficaz de afastá-los da sedução da criminalidade. Mas por que não ofe-recer também, aliado às escolinhas de futebol, os princípios básicos do patriotismo? Parafraseando Olavo Bilac: Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! não verás nenhum país como este!
É óbvio que nós brasileiros temos sim que “vestir a camisa” literalmente pelo nosso país. Mas na realidade, sabemos que tudo isso é um furor momentâneo, passageiro, que tem data de iniciar e terminar a comoção, já o verdadeiro amor pela Pátria, esse deve ser eterno. Brasileiros, patriotas de Copa do Mundo até quando?

Ruy Rocha de Macedo.

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3 comentários:

  1. Willian, eu vou ser bem sincera.Eu acho esse pseudo-patriotismo o fim da picada.Para mim chega a beira a sem-vergonhice...pois nem se cantar mais o Hino Nacional nas escolas é obrigátorio...enfim depois o povo reclama,que o país é uma porcaria;oras,temos aquilo que merecemos.
    Bjos
    *não quero dizer com isso que as pessoas não devem se sentir felizes,pelo nosso país esta disputando a Taça,mas creio ser surreal todo esse movimento de alegria e contentamento que assola o mesmo povo que morre na porta dos hospitais,que não vivem com segurança.
    Cecília

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  2. Infelizmente é a mais pura verdade.
    abs

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  3. Ótimo texto, parabéns!!! O Brasil pára!!!! Imagina na copa de 2014???

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