quinta-feira, 10 de junho de 2010

Aos órfãos do mundo



Existe uma distância imensa entre a perda do próprio pai ou da própria mãe e a dor de um amigo, quando este perde um dos seus genitores. A distância está em viver na pele, a profunda dor. E a ordem natural das coisas são os filhos enterrarem seus pais. Pobre Maria, que viu seu filho morrer na cruz! Mas também é imensamente triste ver e sentir uma criança de 5 anos que não tem mais a mãe. Não é o natural da vida, a criança “enterrar” a mãe! Sigmund Freud dizia: “O homem só se torna adulto quando perde o pai!” Trata-se de uma alusão ao filho de não mais responder pelos seus atos a mais ninguém, a não ser a si próprio. Mas Freud não se refere o tempo da infância e sim, o da maturidade. No entanto, a perda da mãe é uma catástrofe: empobrece de amor o homem, pois é uma dor ainda mais intensa, indescritível e desoladora que tira muito da alegria de viver do filho. Nesta crônica que dedico a todos os órfãos, quero falar justamente da perda da mãe.
O romper do “cordão umbilical da existência” entre a mãe – que morreu – e o filho é como tirar de um ser o próprio chão. É como um astronauta do lado de fora da nave e por algum motivo, se rompe o cordão que unia os dois, o astronauta e a cápsula espacial. Há de se ficar à deriva no espaço. Perdido no infinito azul, sem jamais voltar à terra que também é mãe. É como barco sem porto, um passarinho sem ninho. Um filhote de leão, perdido da mãe, sai pela floresta, triste, sem rumo, sem norte. Indefeso, mal sabe ele a força e ferocidade que um dia, seria capaz. Eu não estou imune a esta dor. Há quase 5 anos perdi o meu pai. Um pai generoso e um grande amigo. Perdi a minha mãe recentemente. Uma mãe maravilhosa e uma mulher de fibra! Contudo, a dor da perda de quem me gerou no ventre, foi mais grave.
Não sei onde está o meu norte. É difícil aceitar, compreender que eu não tenho mais mãe. Só sei que – pelo resto da vida – quando estiver a sós e a saudade bater, muitas lágrimas derramarei.
Desde o surgimento da humanidade, o homem busca a mãe: não é inglória a frase “Eu quero a minha mãe!” O poeta Gabriel Nascente, no final da década de 1980, estampou em outdoors na cidade uma frase, para mim, inesquecível: “Mãe, dá um jeito no mundo!” Quando o perigo se aproxima, nada mais forte que a proteção da mãe. O substantivo mãe abarca muitos significados: proteção, alimento, afeto, sacrifício etc. O escritor russo Máximo Gorki, em sua maravilhosa obra Mãe, retrata o que uma genitora é capaz de fazer pelo filho. Pelaguea Nilovna, uma senhora idosa e simplória, distribuía panfletos pró-comunismo nas portas das fábricas de Moscou, contra o Czar, sem saber do que se tratava, embora soubesse do tamanho perigo que corria, tudo por amor ao filho que militava contra o governo. Somente a mãe é capaz de oferecer a própria vida em holocausto para salvar a do filho: aos poucos vai percebendo o ideal revolucionário que vivia o filho. Quando este é deportado, a mãe toma seu lugar para dar continuidade à luta.
Hoje, sou mais um órfão no mundo. De acordo com Freud, tornei-me adulto. Um adulto que não passa de um menino triste que quer – mais do que nunca – a mãe. A saudade lateja no meu peito. A certeza de nunca mais ver, abraçar, beijar quem me trouxe ao mundo, dói-me n’alma. Uma dor imensa e profunda. Nunca imaginei que seria tão difícil passar por esse momento. Quem tem a felicidade de ter mãe deve vivê-la na sua plenitude, porque um dia há de se acabar. Como disse um primo também órfão: “A gente se torna órfão não quando se perde o pai, mas quando se perde a mãe!” É quando se perde o colo de quem mais o ama! Eis uma das razões que o ser humano, não mais que de repente, se aparenta ter envelhecido muito, num breve espaço de tempo.
Carlos Drumond de Andrade, em seu poema “Para Sempre”, sensibilizou-me: “Por que Deus permite que as mães vão embora?/ Mãe não tem limite,/ É tempo sem hora,/ Tempo que não apaga quando sopra o vento/ E chuva desaba./ Veludo escondido/ Na pele enrugada,/ Água pura, ar puro/ Puro sentimento./ Mãe na sua graça é eternidade/ Porque Deus se lembra/- mistério profundo-/ De tirá-la um dia?/ Fosse eu o rei do mundo,/ Baixava uma lei:/ Mãe não morre nunca!/ Mãe ficará sempre junto ao filho/ E ele, velho embora,/ Será pequenino com um grão de milho.”
E sobre a dor, o mesmo Drummond escreveu: “Não, meu coração não é maior que o mundo./ É muito menor./ Nele não cabem nem as minhas dores./ Por isso gosto tanto de me contar./ Por isso me dispo,/ Por isso eu me grito,/ Por isso frequento os jornais, me expondo cruamente nas livrarias: preciso de todos.”
Órfãos do mundo: agora sou mais um entre vocês a pertencer a esse triste “Bloco (que sobrevive) da Saudade”, pois meus risos nunca mais serão libertos, minhas palavras terão um “que” de incertezas e o meu coração não deixará de se alimentar de saudades.

Tadeu Nascimento.

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