terça-feira, 20 de abril de 2010

A filosofia do não



O não é instituído terminantemente em nossas vidas desde a primeira infância. Os adultos passam a dizer não - não faça isso ou aquilo até a nossa vida adulta. Não pode isso, não pode aquilo. É não porque não e pronto. Quando iniciamos os namoros há mais nãos a serem considerados sob pena de gravidez ou doenças. Também nas atividades profissionais os termos dos acordos trabalhistas e de obrigações referem negativas explicitadas - não faltar, não dilapidar, não pode tirar atestado. O não progride indelevelmente a nossa velhice - não tem idade mais para trabalhar, não tem lugar mais para dançar, não tem lugar para se divertir, não tem mais aposentadoria tranqüila.
Nossas vidas são cheias de nãos. Nossas vidas em sociedade exigem parcimônias, não exigem transgressões, é de bom alvitre que não se avancem os sinais vermelhos. O não é um indicador de que há sérias limitações a serem consideradas.
De tantos nãos em vida de labor e social que nem percebemos a extensão desse posicionamento reticente e de anulação para dentro de nossas casas. Peremptoriamente passamos a dizer não aos filhos. Alguns compensam a frustração das inércias pessoais dizendo sim a tudo ao que os filhos pretendem.
O não instituído como cautela para adequada vida em sociedade serve exatamente para isso. Serve para que se viva na aldeia, onde teoricamente, todos deveriam ser iguais, nos direitos e deveres. O não até pode ser bom e se faz necessário em muitas circunstâncias. Mas, não deveria ser bandeira, não deveria ser pressuposto pessoal. Aquele ali - dizem, é o cara do não. Na sociedade capitalista uns são mais iguais que outros. Na sociedade socialista também é assim. Aliás, comentam os entendidos que o capitalismo é um sistema em que o homem explora o homem e que no socialismo acontece o inverso, o homem é que explora o homem. Realmente, não somos e nem deveríamos ser iguais. Somos do tamanho de nossos sonhos e das realizações. Somos atos, somos nossas repercussões, somos, sobretudo, merecedores do que a vida, ao longo do tempo, devolvê-nos. Também somos como reagimos às intempéries e elas virão, ah, como virão.
Não viveremos plenos em sociedade vigiada. Há regras, há vigilância. Levaremos vidas comportadas sob pena de repreensões e castigos. Nada escapa, tudo está declarado, escancaradamente declarado, tipo imposto de renda e há que se prestar conta.
Se em vidas compartilhadas, temperança é o único caminho que tal seria individualmente permitir-se mais. Por que adotar o sim como regra. Sim, eu posso. Sim, eu vou fazer. Sim, eu vou amar. Sim, eu vou buscar.
Reticentes na sociedade, poderíamos ser mais ousados na individualidade e estar abertos a relacionamentos novos, a amizades novas, a novas filosofias. Abertos a vidas que não vivemos, descobrir nas 24 horas tempo para diversão, lazer e férias. Descobrir o encanto da noite, da chuva, dos raios. Descobrir que há vida mesmo quando o nosso time do coração é derrotado. Descobrir que levar cano em relacionamentos amorosos faz parte do jogo amoroso e que a gente deveria, por regra, saber disso antecipadamente.
A vida diz não, está estampado em estatutos diversos. A vida em sociedade cerceia. Deve ser assim, para que haja espaço para acomodar todas as tendências.
E já que a vida diz não é preciso que individualmente a gente diga sim para a vida. Vou dizer sim para a festa, para o baile, para a aventura pequena ou grande, para meus amigos, mulher e filhos. Vou dizer sim para a música, para o canto, para a comédia romântica. Vou dizer sim para o esporte, para as recordações, para as homenagens que sempre esquecemos de prestar. Vou dizer sim para os reconhecimentos devidos aqueles que um dia, de alguma maneira, auxiliaram nas nossas caminhadas. Vou dizer sim à vida enquanto a saúde permitir plenitude. Vou criar um happy-hour.
Depois, em raros instantes de lucidez, com as artérias entupidas pelo tempo, em rasgos de memórias, sorrirei lembrando do tempo em que reagi e transcendi e que fui maior que o não, fui maior que o não ensinado e imposto a vida toda.
Compreenderei que segui ao desiderato do homem, ser perfectível, ser aperfeiçoável, ser ousado.
Compreenderei, sobretudo, que fui liberto e que a minha alma não foi pequena.
Se talvez o não seja bom para viver em sociedade com as nossas caras e máscaras, talvez não o seja para nossas desnudadas vidas pessoais. Lá nas nossas intimidades, de cara lavada, deve-se permitir mais do que gado em mangueira. Somos mais do que isso. Deveria-se permitir descer do ônibus, de quando em vez. É muito não, é tanto não que muitos entendem que sim é pecado.
Vida é sim. Chega de calça de tecido. Viva o jeans, a bermuda. Chega de sisudez, sorria, cumprimente as pessoas, seja solícito, seja exatamente como gostaria que as pessoas fossem para você.
Jorge Anunciação.

Comente aqui ou no dihitt.



5 comentários:

  1. Olá,

    Os limites são importantes e os "nãos" são importantes aí. Mas no meio de tanto "não" é curioso observar que a maioria das pessoas tem dificuldade para dizer esta palavra...

    bjs

    ResponderExcluir
  2. "seja exatamente como gostaria que as pessoas fossem para você".
    Eis aí o segredo do não ou do sim.Parabéns pelo texto.Abraços

    ResponderExcluir
  3. amigo, esqueceu de dizer viva pras "sandalias havaianas" ahahaha
    olha, a fase do não na adolescencia é a pior de todas. Parece que apartir dali criamos traumas.
    abçs

    ResponderExcluir
  4. Olá Amigo! Muito boa essa sua publicação! Parabéns!
    Abs,

    ResponderExcluir
  5. Sou da filosofia do NÃO...
    Não quero ser disto... ou daquilo.
    Não quero viver... se é pra matar.
    Não... então.
    Robson Santos.

    ResponderExcluir