sábado, 26 de dezembro de 2009

SOMOS O QUE ESCUTAMOS


Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?

Antunes, Fromer & Brito


Pergunte a um nutricionista o que aconteceria com uma criança ou adolescente cuja dieta fosse resumida a macarrão instantâneo. Mesmo sem ser um estudioso da matéria, posso adiantar com segurança que o jovem teria seu desenvolvimento fisiológico severamente prejudicado, apesar de ele não morrer de fome. Aliás, talvez até engordasse.

Agora, pergunte a um músico (ou poeta) o que aconteceria com uma geração inteira cujas obras prediletas cozinhassem em três minutos, pudessem ser engolidas sem mastigar e tivessem todas o mesmo gosto. E, depois de exigir esforço digestivo nenhum, elas quase nada nutrissem. Pois lamento informar que essa turma de ouvidos e consciências repletos de vento engorda entre nós.

A comparação entre a música popular que roda nos pratos (essa é velha) com o macarrão instantâneo pode até parecer forçada, mas é lamentavelmente correta. O que os produtores têm feito de melhor nos últimos anos é garimpar talentos submissos, moldar, embalar e rotular: sabor poprock, sabor sertanejo, sabor pagode, reagge, funck, melancia. Então, a base pálida é temperada despejando o envelope que contém figurino descolado, coreografia sensual e assessoria de imprensa com seus factóides pontuais.

Se não bastasse, depois de alcançada a fervura popular, artista e fã saem convencidos de que sucesso é sinônimo de qualidade na mesma medida em que barriga cheia é igual à nutrição. E que muitos anos de estudo ou aprimoramento formal é mera perda de tempo: todos querem consumir o que se engole mais rápido, surdos para as nuances. Cardápio turbinado pela internet, onde celebridades nascem, se reproduzem e morrem na velocidade de uma Drosophila Melanogaster.

Porém, atirar nas largas costas do mercado a culpa da sofrível condição da música popular brasileira (MPB), cuja perda de status é tão grande que ninguém mais se orgulha de pertencer à sigla, é uma redução conveniente. Pode se dizer que miojos melódicos estão cada vez mais presentes nas prateleiras das rádios e demais veículos de comunicação. (Em algum momento foi diferente?) Apesar disso, obras eruditas, instrumentais, folclóricas, vanguardistas etc, bem ou mal, também estão expostas. E melhor estarão posicionadas quanto mais forem consumidas.

Logo, entre outras, é obrigação dos pais educar o paladar musical dos filhos, ao invés de adotar a confortável tese de que não adianta insistir
eles só gostam de canções de massinha, mesmo. O caso ficará mais grave quando eles chegarem na adolescência: passar pela mais determinante fase de crescimento intelectual e afetivo sem ter a mínima profundidade musical vai gerar, para sempre, uma perda de vitaminas e sais minerais indispensáveis para o desenvolvimento do senso crítico. Sim, pois é na juventude que nossa bagagem estética é consolidada.

Bom, empurrar doses elevadas de jazz goela abaixo da meninada não será solução. Porém, se um jovem chegar até os vinte anos sem ouvir qualquer notícia de Pixinguinha, ou Noel Rosa, Villa Lobos, Cartola, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Chico Buarque, Egberto Gismonti, Milton Nascimento etc (a lista é grande), que não coloquem a culpa no KLB, no Latino ou na Cláudia Leite (outra lista enorme). Estes últimos entregam o que prometem e, com certeza, matam a fome. O problema é: nossos jovens devem ter fome de quê? Afinal, serão, até a última migalha, fruto do que escutarem.

Rubem Penz.

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2 comentários:

  1. Excelente!!! Bravo!! Acho q o maior culpado disso é o governo q acabou com o ensino musical nas escolas! Agora o Lula trouxe de volta, vamos aguardar uns 20 anos pra coisa começar a melhorar. Os pais são uns coitados q tb não tem nenhuma base para orientar os filhos. São tão ignorantes qto.

    Forte abraço William!

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  2. Poxa, essa é a triste mas verdadeira situação que temos hoje, gosto de textos com ilustrações e comparações e amei a comparação com o macarrão instantâneo.
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    http://duventublog.blogspot.com/

    Levi Ventura

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